O título que inicia nossa conversa hoje é um dos versos da música “Toda forma de amor” do cantor e compositor Lulu Santos, que fez eu colocar os olhos novamente sobre algo que muito se fala, mas que como alguns medicamentos, que foram feitos para curar, mas que no caminho dessa cura também podem causar efeitos indesejados. E aqui, o medicamento a que me refiro é a palavra “resiliência”, que muito de cura carrega em si, mas com efeitos colaterais indesejados, se não olharmos com mais profundidade para seu significado.
O conceito geral de resiliência, é o mesmo empregado pelas ciências exatas, especialmente na física, para descrever a capacidade dos materiais ou sistemas voltarem ao estado inicial, ou não sofrer alteração diante de um estimulo que deveria ter como resultado a modificação de algo. E esse conceito geral é disseminado como sinônimo de força, coragem, superação e tantos outros registros para significar o mesmo: você precisa ser forte, você só é bom se não deixar-se abater, se seguir em frente, tem um tsunami chegando na porta da sua casa, e você está como? Sentada tranquilamente na poltrona da sala; porquê afinal, você é resiliente! Nada no mundo pode te abater, tu sempre foste o mais forte, corajoso e determinado! Mas agora, gostaria que o caro leitor jogasse a primeira pedra se nunca passou pelo seu coração, o sentimento de cansaço, de dúvida, até medo. Mas em nome da resiliência, você não deu ouvidos, e foi deixando suas forças emocionais esgotarem-se aos poucos, sem procurar ajuda profissional para permitir-se soltar essa mola. A mola encolhida da canção.
Existem múltiplos entendimentos para o conceito resiliência, mas o mais aceito define resiliência como um processo dinâmico que envolve adaptação positiva perante contextos de adversidades. Então, observe bem esse conceito, pois ele fala de adaptação positiva, e não apenas adaptação. O ser humano pode adaptar-se a muitas coisas e não ter um sentimento positivo em relação a isso, como é o caso das medidas de etiqueta respiratória adotadas na pandemia, é um tipo de adaptação, mas que nem mundo encara como positiva. Então, ser resiliente é mais que adaptar-se, é adaptar-se de modo positivo. Portanto, você não precisa carregar o mundo inteiro nas costas!
Esse conceito traz dois elementos que é a adversidade e a adaptação. A adversidade é o evento estressor que pode causar danos no desenvolvimento humano, afetando negativamente o bem estar psicológico, físico ou social. Sem adversidade não há resiliência, portanto também é um processo que não está relacionado somente a características pessoais, pois podemos ser resilientes para determinadas situações e não ser resiliente a outras.
O entendimento social e ecológico do processo de resiliência conta com quatro princípios para definir o que chama de socioecologia da resiliência. E são eles os princípios de descentralização, complexidade, atipicidade e relatividade cultural. A descentralização indica que o processo de resiliência não acontece apenas de forma individual, então não é possível afirmar que alguém é ou não resiliente, porque há situações que não estão sob o controle do indivíduo. Já o princípio da atipicidade diz que a vulnerabilidade não é igual para todas as pessoas.
O princípio da complexidade, entende que resiliência é uma construção de muitas faces interconectadas, e, portanto, inviabiliza qualquer simplicidade ou generalização. E por fim, mas não menos o importante: a relatividade cultural que diz respeito ao cuidado que devemos ter quando conceitualizamos resiliência, pois todos os aspectos a serem considerados passam pela cultura do indivíduo, portanto, é diversa.
Então, caro leitor, pense bem, se você anda se sentindo como uma “mola encolhida” por estes dias, e tente soltar um pouco tudo isso, ciente de que não precisa dar conta de tudo, e que quando as coisas ficam muito confusas é hora de parar um pouco e pensar se precisa de ajuda profissional para lidar com de forma honesta consigo mesmo, sem o peso de ter ser “resiliente” o tempo todo.
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Vanessa Santos – Psicóloga CRP 07/25298
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