As notícias ambientais nunca ocuparam tanto espaço na mídia como agora. Mas essa presença mais forte está muito relacionada ao agravamento da crise climática e às consequências da ação humana predatória no planeta. Incêndios no Pantanal, seca na Amazônia, tragédia no Rio Grande do Sul, poluição, desmatamento, perda de biodiversidade, garimpo ilegal, extinção de animais… A devastação passa por cima de várias leis ambientais que não conseguem ser aplicadas adequadamente – e há quem lute para afrouxá-las dia após dia.
Para quem sabe e sente que somos parte da natureza e que tudo isso nos afeta profundamente, essa degradação pode gerar tristeza e um sentimento, muitas vezes, de impotência e desesperança. Por outro lado, há quem transforme o incômodo com a realidade em combustível para atitudes mais práticas, tornando-se voluntários em ONGs socioambientais ou apoiando financeiramente essas entidades.
Mas há ainda quem sinta que pode fazer mais. Ou que precisa e deseja fazer mais. São pessoas que não querem apenas deixar de ser parte do problema, mas anseiam construir um caminho em que sejam agentes da solução, da transformação, conduzindo algum projeto de educação ambiental, regeneração de floresta ou produção de alimentos orgânicos, por exemplo. Talvez você já tenha pensado sobre isso, não? Um projeto para chamar de seu…
Lugar de potência
Para a professora e especialista em sustentabilidade e ESG Hildengard Allgaier, que trabalhou por quatro anos na Universidade de Oxford, na Inglaterra, e desde 2015 se dedica a ouvir e oferecer mentoria a profissionais em transição de carreira no Brasil, quando esse tema da proteção da natureza toca uma pessoa, uma pergunta importante a se fazer é: quão perto eu quero estar disso?
“Um bom começo é se questionar sobre qual é o lugar de potência em que quero estar ou quem sou eu no meio disso tudo. Isso é uma forma de entender como lidar com a angústia e de que maneira a pessoa pode atuar”, afirma a especialista.
Em sua experiência, ela percebe que há um movimento crescente de pessoas na faixa dos 40 anos, especialmente, querendo doar tempo e energia à causa ambiental. “É claro que o capital financeiro é importante na hora de empreender um projeto, mas essa área carece de uma inteligência maior para que pessoas sem muito capital possam também atuar, a partir da captação de recursos junto a bancos de fomento e cooperativas de crédito, por exemplo”, diz Hildengard.
O futuro da sustentabilidade, ela acredita, tende a ter mais experiências práticas e menos discurso e teoria. “Será um aprender fazendo, a partir dos efeitos dessas alterações no clima. Vimos isso acontecer por causa dos desastres no Sul do país. As pessoas estão pensando muito mais em prevenção e ações para aumentar a resiliência de suas comunidades, o que é ótimo sinal”, analisa.
Mais e mais pessoas irão desenvolver e abraçar projetos socioambientais nos próximos meses, anos. Por isso, se você se questiona sobre como contribuir com a natureza nesse momento delicado de saúde do planeta, aproveite as histórias a seguir para aquecer seu coração com inspiração, determinação e muita força de vontade.
Floresta encantada
A publicitária Tatiana Perim não estava mais satisfeita com a vida agitada em São Paulo, tão pouco integrada à natureza, quando decidiu deixar o trabalho e viver um ano sabático, viajando pela Índia e Sudeste Asiático. A experiência mexeu com sua visão de mundo. Quando retornou ao Brasil, sua mãe, recém-viúva, estava colocando à venda uma propriedade da família, de 238 hectares, em Morretes, no Paraná.
Noventa por cento da fazenda é floresta nativa preservada. “Eu não era exatamente uma ambientalista na época, mas a possibilidade de aquela área de Mata Atlântica original deixar de existir me fez querer cuidar daquele lugar, transformando-o em um parque”, conta Tatiana, hoje formada em Gestão Ambiental, com mestrado em Biomimética.
O “Ekoa Park”
Entre 2012 e 2014, quando se mudou para a cidade, ela estudou, pesquisou, cuidou das licenças ambientais necessárias e planejou o empreendimento nos mínimos detalhes. Quatro anos depois, em março de 2018, Tatiana inaugurou o “Ekoa Park”, que já recebeu mais de 7 mil pessoas, mais de 100 empresas e cerca de 40 escolas, que visitam o local anualmente.
“Criei um espaço de educação ambiental por meio do encantamento, da sensibilização, com trilhas abastecidas com instalações artísticas que fazem refletir e instigam os sentidos”, relata. Sua vida hoje é dedicada ao parque. Ela mora em um sítio nas redondezas e conta com o apoio de 30 pessoas que trabalham no empreendimento.
Há atividades de aventura, voo de balão, além de cursos e vivências diversas, especialmente para grupos escolares e também corporativos, como intuito de desenvolver o que chama de líderes biocêntricos. “Aqui temos a natureza como modelo, medida e mentora. Quando iniciei essa história, não fazia muita ideia de como seria, mas hoje me sinto realizada, virou uma evolução espiritual, uma missão de vida”, conclui Tatiana.
De pasto à reserva particular
Ecologistas de alma hippie desde muito cedo, a artista argentina Mariana Devoto e o cozinheiro alemão Erhard Kalloch se conheceram no Sul da França em 1987. Ela estava viajando pela Europa e ele tinha um furgão e cozinhava para bandas de rock em turnês. Ambos procuravam um país em paz e com muita natureza.
“Escolhemos o Brasil por ser um país neutro e com a maior biodiversidade do mundo”, diz Heraldo, nome que Erhard adotou ao chegar aqui. Depois de viajar alguns meses em uma ambulância adaptada como motorhome, eles começaram a procurar uma terra para fixar residência.
“Em 1989, compramos um sítio em Magé [na serra fluminense], que era um pasto com uma parte de floresta degradada, mas tinha nascente e cachoeira no quintal. Ficamos encantados”, lembra Mariana.
A “Reserva El Nagual”
Para garantir que aqueles 19 hectares de terra, aos pés do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, jamais perdessem a riqueza natural, eles os transformaram em Reserva Particular do Patrimônio Natural, uma categoria de unidade de conservação brasileira. Nascia, assim, a “Reserva El Nagual”.
“Queríamos dar uma proteção à floresta contra os palmiteiros e caçadores, e também à bacia hídrica, e ser um corredor ecológico com outras reservas e o parque nacional”, conta Heraldo. “Também plantamos muita coisa desde que chegamos aqui e hoje, 35 anos depois, posso dizer que realizei meu sonho de infância, que era ter uma floresta”, diz ele.
Ao longo dessa trajetória, os dois aprimoraram a autossuficiência, quase não vão ao supermercado e abriram as portas para muitas pessoas em cursos, vivências de educação ambiental e ecovilas, residência artística, eventos e turismo comunitário. “Mesmo com as dificuldades no caminho, o que nos move é o afeto entre nós e a certeza de que estamos fazendo a coisa certa”, afirma Mariana.
Resgate da essência local
Apaixonados pelo vilarejo de Trancoso, no município de Porto Seguro, Bahia, o casal de empresários Fernanda Andrade, paulistana, e Marcel Leite, trancosense, decidiu ir além da rotina na administração de um conhecido restaurante da região.
O projeto “Almar”
Eles queriam impactar positivamente a comunidade e criar um contraponto aos rumos predatórios do turismo local e à ocupação cada vez mais insustentável do território. Assim, os dois conceberam o projeto “Almar”, uma iniciativa que levou três anos para amadurecer e ser lançada à comunidade, no final de 2023, pela empresa social Se7e, idealizada pelo casal.
A ideia principal é resgatar a essência de Trancoso, por meio do fortalecimento da pesca artesanal e da agricultura de subsistência. “O atual trade do turismo e da gastronomia usa insumos que vêm de longe, da agricultura tóxica industrial, e os pescados servidos aqui vêm congelados de regiões distantes, algo que desestimula muito a pesca artesanal tradicional. É preciso mudar isso”, afirma Marcel.
À beira-mar, eles abriram um novo restaurante e apoio de praia, o “Almar”, que serve pescados locais e alimentos orgânicos produzidos na horta agroflorestal do casal. “Temos uma curadoria de produtos de impacto positivo. Nosso foco é a agricultura regenerativa e a pesca artesanal sustentável, uma forma de fomentar uma cadeia de consumo muito mais ecológica para a nossa região, e que sirva de exemplo para outros negócios”, revela Fernanda.
Juntos, eles também têm trabalhado para oferecer cursos de capacitação em agrofloresta para os moradores, visando abastecer (muito em breve) a rede hoteleira de Trancoso, criando um ciclo mais que virtuoso de proteção do bioma e da cultura locais. “Nosso sonho é transformar Trancoso no destino mais sustentável do Brasil”, conta Marcel. Se depender do entusiasmo deles…
Colocar essas três histórias de regeneração ambiental lado a lado nos permite sentir a força da vontade humana orientada para fins benignos. Viva a esperança!
Por Giuliana Capello – revista Vida Simples
É jornalista e amante das árvores e passarinhos. Adora contar histórias que ajudam a reacender nas pessoas o amor pela natureza.