Um dos filhos da dona de casa Maria de Fátima Britto da Silva, de 59 anos, – contabilizada como a 92ª vítima da covid-19 em Cachoeira do Sul – contesta que ela tenha falecido em decorrência da doença causada pelo novo coronavírus. A ausência de exame laboratorial com resultado positivo e a alegação de que a doença teria sido citada apenas em uma declaração de óbito estão entre as provas que o professor Marcio Roberto da Silva Oliveira, de 33 anos, sustenta para acusar que houve fraude na inclusão do nome da mãe entre as pessoas morreram por covid na cidade.
Oliveira relata que a mãe deu entrada na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Cachoeira do Sul no dia 28 de março e foi transferida no dia seguinte para o Hospital de Caridade e Beneficência com quadro de insuficiência cardíaca congestiva, enfisema e dispneia (falta de ar) com tosse improdutiva, segundo inicialmente atestou um médico plantonista. Entre a baixa hospitalar e o óbito – ocorrido no dia 19 de abril – Maria de Fátima foi submetida a três exames RT-PCR, e todos deram resultado negativo. A paciente passou ainda por exame de tomografia com vidro fosco que teria sido utilizado como base para o diagnóstico da covid-19.
Quando Maria de Fátima faleceu, os familiares receberam uma primeira declaração de óbito que citou, como causas da morte, pneumonia, insuficiência respiratória aguda e insuficiência cardíaca. Foi com este documento que Oliveira encaminhou a lavra da certidão de óbito junto ao Cartório de Registro Civil e os atos fúnebres. O velório, inclusive, foi realizado com caixão aberto e sem restrições estabelecidas para pessoas que morrem por covid.
No entanto, Oliveira relata que uma hora antes do sepultamento passou a ser questionado por parentes, vizinhos e amigos que compareceram ao velório. Assim como faz diariamente, às 15h do mesmo dia do falecimento, o HCB divulgou em seu boletim diário o falecimento de uma paciente, do sexo feminino, de 59 anos.
A informação, segundo o professor, pegou de surpresa todos que estavam no velório, já que na declaração e na certidão de óbito não constou a covid-19 como causa mortis. “Imagina você estar velando a tua mãe e de uma hora pra outra as pessoas começarem a te questionar do porquê de ela ter sido velada em caixão aberto, sem os cuidados necessários para se evitar uma doença supostamente contraída por ela. Isso é desumano”, desabafa Oliveira.
2ª DECLARAÇÃO
Uma segunda declaração de óbito, emitida a partir do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, chegou até a família por meio de um advogado que cuida do caso. No documento, que chegou até a família sem data de emissão preenchida e faltando um dígito no número de registro, consta a covid-19 como uma das causas do óbito como “vírus identificado”. “Identificado como? Se não tem sequer um exame de diagnóstico positivo. Tanto que ela morreu na UTI comum. Minha mãe ficou todo esse tempo no hospital e não foi tratada para os problemas que a levaram a ser internada”, questiona Oliveira.
No dia 10 de maio, o professor Marcio Roberto da Silva Oliveira procurou a Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) e denunciou o caso. Na ocorrência, tipificada pela Polícia Civil como “erro médico”, Oliveira acusa um enfermeiro de ter preenchido a segunda declaração de óbito e representou criminalmente contra o profissional. O documento teria sido emitido a partir do sistema da Vigilância Sanitária da Secretaria Municipal da Saúde.
Também na ocorrência, Oliveira ressaltou que na conduta médica foram usados com frequência termos como “emagrecimento importante – doença de base sem diagnóstico” e “paciente já consumida com provável patologia prévia não bem estabelecida”. No entendimento do professor, “esses registros revelam que os médicos não sabiam da real causa da morte da mãe. Tenho como provar tudo o que denunciei. Tenho tudo documentado. É inadmissível inventarem um diagnóstico que nunca existiu”, dispara o filho.
Ele ressalta ainda que solicitou mais exames de diagnóstico de covid-19, inclusive após o falecimento da mãe, e afirma não ter sido atendido pela equipe que tratou a paciente Maria de Fátima Britto da Silva.
“Ele tem de formalizar denúncia para entendermos melhor o caso”, diz secretário Figueiró
O secretário municipal da Saúde, Marcelo Figueiró, diz que foi procurado pelo professor Marcio Oliveira, acompanhado de um advogado e do vereador Felipe Faller (PSL), que chegou a comentar o caso na tribuna da Câmara. No entanto, segundo Figueiró, para a Prefeitura de Cachoeira do Sul poder agir nesse caso é necessário que a parte interessada formalize uma denúncia no protocolo geral do município, ou ingresse com uma ação na Justiça, se for caso.
“Sem uma denúncia formal, não temos como fazer nada. Eu não tenho nenhum documento, nada que me permita fazer qualquer análise. Ele tem de formalizar para dizer o que de fato quer e até para que possamos entender melhor o caso”, explica o secretário da Saúde.
Segundo Figueiró, a partir do protocolo e do trâmite da denúncia, Secretaria da Saúde tem como cobrar, por meio da Procuradoria Jurídica, uma declaração pública do HCB para o caso. Quanto à denúncia do professor Marcio Oliveira dando conta de que a segunda declaração de óbito teria partido da Vigilância Sanitária, o secretário Figueiró diz não ter conhecimento dessa informação.
“Estamos tranquilos, pois o caso foi todo revisado”, diz superintendente do HCB
O superintendente do Hospital de Caridade e Beneficência, administrador Luciano Morschel, relata que foi procurado pelo professor Marcio Oliveira e que a equipe técnica da instituição foi colocada à disposição para prestar esclarecimentos à família. Segundo Morschel, o caso da paciente Maria de Fátima Britto da Silva foi revisado pela direção técnica do hospital e nenhuma irregularidade foi encontrada.
“Quando somos procurados, temos por obrigação prestar todos os esclarecimentos, sanar todas as dúvidas dos familiares”, salienta Morschel. Quanto à ausência de exames laboratoriais com resultado negativo, o superintendente sustenta que em muitos casos os testes apresentam o chamado “falso negativo” como resultado para pacientes que, de fato, estão com a covid-19.
Ainda segundo Morschel, no caso da paciente Maria de Fátima, ela apresentava todo um quadro clínico compatível com a doença e foi incluída nas estatísticas da covid-19 com base em exame clínico radiológico (tomografia com opacidade em vidro fosco). Com base nas evidências de covid, o médico se valeu de prerrogativa prevista na página 5 da Nota Informativa Nº 30 do Centro de Operações de Emergências da Secretaria Estadual da Saúde (COE/SES-RS), de 18 de fevereiro de 2021, para assinar laudo atestando como positivo para a doença causada pelo novo coronavírus. “Aliás, esse não é o primeiro caso. Outros pacientes tiveram o mesmo tipo de diagnóstico”, salienta o superintendente do HCB.
Ainda segundo Morschel, durante todo o período em que esteve internada, Maria de Fátima recebeu todo o tratamento destinado a pacientes com covid-19. “A paciente chegou a permanecer na ala para pacientes com covid e, passado o tempo de contaminação, foi para UTI comum”, explica.
ATENÇÃO
O delegado Rodrigo Marquardt da Silveira – titular da 1ª Delegacia de Polícia de Cachoeira do Sul – explica que, preliminarmente, não verificou crime na denúncia feita pelo professor Marcio Oliveira à Polícia Civil. “Para nós, não há crime a ser apurado. Os laudos apresentados indicam que a paciente recebeu todo o tratamento. É para ser apurado em esfera cível, se for o caso”, explicou o delegado. Quanto à emissão de duas declarações de óbito, uma que não consta e outra que cita a covid-19, o delegado explicou que eventual apuração deve ser feita pela Secretaria da Saúde.
AS PROVAS SUSTENTADAS PELO PROFESSOR MARCIO OLIVEIRA: