ORAÇÕES NAS MADRUGADAS – por Jeferson Selbach

Por
ORAÇÕES NAS MADRUGADAS – por Jeferson Selbach
REFLEXÕES SOCIOLÓGICAS
20 de março de 2025 - Jeferson Selbach / Crédito: OC/Reprodução

 

 

O fenômeno deste início de ano nas redes sociais é frei Gilson, que vara as madrugadas orando ao vivo e a cores.

Neste período da quaresma ocorrem vigílias diárias que atraem mais de 1,5 milhão de pessoas acompanhando online suas preces, interagindo nos comentários, incentivando e comungando em oração.

Gilson da Silva Pupo Azevedo, 38 anos de idade e duas décadas de vida religiosa é membro da Ordem Carmelita Mensageiros do Espírito Santo.

Ganhou notoriedade durante a pandemia ao usar as mídias sociais para fazer orações com a comunidade.

Tem 7 milhões de seguidores no Instagram e outros 7 milhões inscritos no seu canal do YouTube. No Spotify, tem média de 1,4 milhão de ouvintes mensais.

É o que chamam de clérigo influencer, por conseguir ampliar a presença do catolicismo junto ao público, principalmente as gerações mais jovens que deixaram de frequentar as igrejas.

Defende a teologia moral situada no conservadorismo, contrário à prática do aborto e ao homossexualismo, à desestruturação da família, ao abuso de poder pelas autoridades e ao empoderamento feminino, a quem diz que “a guerra dos sexos é ideologia pura, é diabólica”.

Como não poderia deixar de ser, esse engajamento conservador nas redes sociais tem despertado os piores sentimentos.

Só a afirmação de que as mulheres devem atuar de forma a auxiliar os homens serviu de oportunidade para as feministas de esquerda tirar uma casquinha da fama do frei, caso de Tábata Amaral, deputada cuja trajetória pessoal foi no catolicismo, mas que levanta a bandeira das pautas identitárias.

Algo como se os dogmas da Igreja Católica fossem um cardápio de fast-food, onde o fiel escolhesse livremente o que seguir.

Estas polêmicas fazem com que o sacerdote seja considerado anticomunista, criticado pela esquerda, abraçado pela direita.

Chegou a ser citado no relatório da Polícia Federal que investiga os “golpistas” por ter recebido mensagem pedindo orações a generais envolvidos, naquilo que ficou conhecido como “oração do golpe”.

O pano de fundo disto tudo é uma luta fraticida que germina no seio do próprio meio religioso católico entre o conservadorismo, que perdeu espaço nos últimos anos, e a chamada ala progressista, representada pelo atual Papa Francisco.

É fogo amigo daqueles que se dizem irmãos.

Para quem não se lembra, o polonês Karol Wojtyła teve papel fundamental para o fim dos regimes comunistas na Europa, liderando os católicos por 26 anos como João Paulo II.

Foi sucedido por outro conservador, Joseph Ratzinger, que como Papa Bento XVI combateu ideologias marxistas como a Teologia da Libertação, tida inimiga da Igreja e das Escrituras.

O estado de saúde frágil do argentino Jorge Mario Bergoglio antecipou a sucessão papal, fazendo com que conservadores e progressistas tentem ocupar os espaços políticos dentro da Igreja.

E o número de fiéis é essencial para influenciar a escolha do novo líder religioso.

O Brasil é chave importante neste processo, dado a capilaridade na população. Metade dos brasileiros se compreende católico praticante ou não praticante.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil é palco desta disputa ideológica cristã.

Por um lado lança a campanha da fraternidade com a pauta esquerdista da ecologia integral e que defende teologicamente o progressismo cristão do dominicano Frei Betto, líder do Movimento Fé e Política, que sonha com um sucessor do papa para continuar com pautas identitárias que tanto afugentam fiéis.

Do outro lado estão clérigos conservadores que atraem multidões, como é o caso do Frei madrugador, o que explica a enxurrada de críticas dos progressistas contra ele.

Numa live da madrugada, Dom José falou para Frei Gilson: “Você não pode falar, mas eu falo. Se essa árvore não fosse boa, não teria dado tantos frutos”.

Na Itália, onde o Vaticano está encravado, a direita governa com a católica Giorgia Meloni, que lançou a campanha pela substituição das arvores de natal pelo presépio, para devolver a centralidade ao verdadeiro protagonista: Jesus, o Cristo de Nazaré.

Por aqui, milhões de brasileiros seguem com as orações nas madrugadas e com fé e esperança em tempos melhores.

*Sociólogo, Doutor em História e Professor Titular da Universidade Federal do Pampa