A pandemia do novo Coronavírus (COVID-19) provocou queda de atendimentos em hospitais públicos de pacientes em rastreamento e tratamento para câncer de mama, de cerca de 75% em março e abril, em comparação a igual período do ano passado, de acordo com pesquisa da Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM). “Nós solicitamos aos colegas mastologistas que fizessem um levantamento desses dois meses de 2019 para que pudéssemos comparar com os [atendimentos] deste ano. A gente observou uma diminuição muito significativa da taxa dos atendimentos cirúrgicos”, disse o presidente da SBM, Vilmar Marques.
O levantamento abrangeu 11 hospitais públicos de todas as regiões do país, que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nas principais capitais. O maior comprometimento na assistência a paciente com câncer de mama foi registrado no Maranhão. No Instituto Maranhense de Oncologia Aldenora Belorá (Cacon), que concentra a maioria das pacientes em tratamento do câncer de mama, apenas 55 pessoas foram atendidas em abril deste ano, contra 442 atendimentos feitos no mesmo mês de 2019, uma redução de mais de 87%.
Segundo o especialista, isso reflete o sistema como um todo. “Se nós não estamos operando, é sinal que essa paciente não está sendo assistida, porque ela existe, principalmente se nós observarmos os dados do Instituto Nacional de Câncer José de Alencar Gomes da Silva (Inca) que apontam que nós vamos ter, este ano, um incremento de 10%. Qualquer redução já é grande “, avaliou Marques.
O Inca estima para o Brasil um total de 66.280 casos novos de câncer de mama, para cada ano do triênio 2020-2022. Esse valor corresponde a um risco estimado de 61,61 casos novos a cada 100 mil mulheres.
COVID-19
O presidente da SBM afirmou que as pacientes não estão indo aos consultórios e não estão chegando aos hospitais públicos porque a maioria dessas unidades está destinando seus atendimentos à COVID-19. A elevada taxa de ausência é explicada pelo medo do contágio, que faz com que as pacientes com câncer de mama não saim das residências para dar seguimento ao tratamento. Com isso, o diagnóstico é postergado. “Na realidade, todo diagnóstico postergado compromete a sobrevida da paciente, ou seja, diminui a chance de cura”, explicou o mastologista. Isso significa que poderá haver aumento do número de tumores em estágio avançado, disse.
Enquanto instituição, a SBM não pode efetuar uma ação direta para que esse quadro seja revertido. Mas está pedindo aos colegas mastologistas que dialoguem com seus gestores locais e esclareçam que os hospitais podem continuar o atendimento às pacientes com câncer de mama, a partir do momento que tenham leitos de UTI específicos e enfermarias isoladas, para que essas mulheres não tenham contato com pacientes com a COVID-19. “E que a internação seja do tipo fast track [processo rápido], em que a paciente interne pela manhã, opera e, preferencialmente, vai embora no mesmo dia, no final do dia, buscando procedimentos rápidos, mas resolutivos. E quando da indicação da reconstrução mamária, que esta seja a mais simples possível, ao contrário de que seja realizado no momento oportuno”, salientou o médico.
Centros de tratamento
De acordo com o levantamento da SBM, nos 11 principais centros de tratamento de doenças mamárias da rede pública do Rio de Janeiro, por exemplo, houve redução ou suspensão de 20% nas cirurgias oncológicas e suspensão das reconstruções mamárias em seis unidades. Já as sessões de radioterapia não estão sendo realizadas em oito centros e apenas uma unidade suspendeu os atendimentos ambulatoriais de mastologia. Nas demais unidades, esses atendimentos estão restritos às consultas de acompanhamento e de doenças benignas. A triagem em pacientes oncológicas com suspeita de COVID-19 está sendo realizada em oito das 11 unidades.
Em Santa Catarina, a redução foi de 75% em março e abril nos atendimentos ambulatoriais e cirúrgicos. Em Minas Gerais, na Santa Casa de Belo Horizonte, principal unidade de atendimento para câncer de mama, a demanda caiu 40% entre janeiro e abril de 2020, em comparação ao mesmo período do ano passado. As cirurgias tiveram queda de 28%.
Vilmar Marques manifestou preocupação com essa situação, tendo em vista que a telemedicina, que é uma estratégia para a rede privada durante a pandemia, não está disponível no SUS. “A preocupação da SBM é com o câncer de mama. Mas os hospitais têm de se reestruturar, de toda sorte que eles possam continuar atendendo as pacientes com os outros agravos à saúde”, indicou. O especialista destacou ainda a necessidade de esclarecer às mulheres com câncer de mama que elas não deixem de ir à consulta, mas ao contrário, que procurem seus médicos e a assistência à saúde, “porque esta doença é tão mortal ou mais que a própria COVID”, acrescentou.
Marques salientou que, no Brasil, se a taxa de mortalidade da COVID-19 está em torno de 5%, no câncer de mama, com diagnóstico precoce, você oferece 95% de chance de cura. “Ao diagnóstico precoce, ela já tem a taxa de mortalidade similar à da COVID. Obviamente, não vai ser de imediato, mas ao longo dos próximos cinco a dez anos. Mas ela vai morrer de câncer de mama e você deixa de ofertar a cura”, alertou o presidente da SBM.