A 9ª Vara Federal de Porto Alegre condenou a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) a elaborar e custear o zoneamento ecológico-econômico para a atividade de mineração de areia no Rio Jacuí no prazo de dois anos. Ela também deverá apurar, neste mesmo tempo, os danos ambientais ocorridos no passado em função da atividade e adotar as providências para reparação. A sentença, publicada na última terça-feira (18), é do juiz Marcelo De Nardi.
A ação civil pública foi ajuizada pela Associação de Pesquisas e Técnicas Ambientais (Apta) contra a Fepam, Agência Nacional de Mineração (ANM), a União e as empresas Aro Mineração, Sociedade dos Mineradores de Areia do Rio Jacuí LTDA (Smarja) e Sociedade Mineradora LTDA (Somar). Segundo a autora, a atuação das mineradoras estaria em desacordo com os parâmetros estabelecidos em lei, causando considerável devastação ambiental.
Ao longo da tramitação processual, a atividade de extração de areia foi suspensa e, posteriormente, liberada mediante adoção de diversas medidas. Audiências de tentativa de conciliação e também para acompanhamento foram realizadas. (No final da matéria, há os links para as diversas notícias que retratam o andamento deste processo).
Na sentença, o juiz federal Marcelo De Nardi pontuou que há “um sistema administrativo de proteção ao meio ambiente, estruturado constitucional e legalmente, que prevê atribuições e competências em diversos níveis governamentais e esferas públicas. Dito sistema, além de objetivar conciliação dos interesses particulares com os direitos coletivos, e os interesses da proteção ambiental com as necessidades do desenvolvimento humano, também comete atribuições de controle, fiscalização e licenciamento aos diversos entes federados”. Segundo ele, as atividades de licenciamento ambiental estão enquadradas dentro deste sistema e desempenham um relevante papel.
ZONEAMENTO AMBIENTAL
O magistrado destacou que o zoneamento ecológico-econômico pode ser utilizado no licenciamento ambiental ao dotar o órgão com importantes subsídios para decidir sobre a viabilidade de determinada atividade. Ele “serve de ferramenta de gestão e ordenamento territorial ao identificar as vulnerabilidades e potencialidades de certo ambiente, visando a antecipar os impactos de empreendimentos e outras intervenções de forma ampla. Os entes interessados, dispondo de um zoneamento ecológico-econômico, têm subsídios para planejamento ambiental conhecendo os efeitos cumulativos e sinérgicos que a atividade produzirá no ambiente zoneado”.
Para ele, é muito importante a elaboração deste estudo para o desenvolvimento economicamente sustentável do ecossistema do Rio Jacuí, especificamente quanto à atividade de mineração de areia. “A magnitude e relevância desse corpo d’água, cujos fundos minerais despertam o interesse econômico das empresas rés e necessariamente envolvem a ré ANM, forma complexo e extenso ecossistema, cujas alterações têm potencial de afetar humanos diretamente e o equilíbrio ambiental em extensíssima área”.
Responsabilidade em matéria ambiental
Neste processo, a autora afirmou que as três mineradoras licenciadas para atuar no rio Jacuí estariam exercendo suas atividades em desacordo com os parâmetros estabelecidos em lei e, como resultado, causando devastação ambiental com descaracterização do perfil do rio e graves prejuízos à fauna, à flora e à vida humana. Destacou o aprofundamento do Jacuí, mesmo junto às margens, solapamento das margens, destruição da mata ciliar nativa, agressão ao ecossistema das ilhas, além de prejuízo ao patrimônio cultural, turístico, histórico e paisagístico.
As empresas rés alegaram agirem de acordo com a legislação, detendo licença ambiental, e argumentaram sobre fatores diversos que também poderiam causar a degradação ambiental. Diante destas argumentações e das provas apresentadas nos autos, o juiz entendeu que “é evidente que a mineração de areia, dada a característica de remoção física do substrato componente do fundo do Rio Jacuí ao ponto de causar modificação na geometria de sua calha, é claramente uma atividade que causa impactos ambientais associados à erosão de taludes, desaparecimento de praias e aprofundamento geral”.
“Não se pode admitir uma retórica sustentadora de que cada um dos causadores concorrentes de um dano ambiental se evada de assumir a sua responsabilidade pela reparação do dano que causou ao argumento de que há outros poluidores. Eventual co-responsabilidade não autoriza a isenção de responsabilidade, sob pena de fomentar a impunidade, tendo por consequência imputar à coletividade externalidades ambientais negativas, geradas por alguns agentes privados que delas se beneficiam”.
Entretanto, as alegações da autora da ação foram genéricas e não permitiram identificar objetivamente que fato efetivamente danoso (excesso de mineração e suas consequências) é imputado a cada uma das empresas. “Além disso, a demandante se furtou ao dever de comprovação de que os danos foram causados pelas rés apontadas, afora o fato incontroverso no processo de que outros agentes também exercem a atividade de extração de areia no Rio Jacuí, inclusive de forma clandestina”, sublinhou o magistrado.
Segundo De Nardi, o Judiciário não pode se transformar em órgão investigador de irregularidades genéricas, especialmente quando há estrutura administrativa encarregada dos atos de polícia. “Neste caso os órgãos de proteção ambiental (a ré Fepam) e de controle da atividade de mineração (a ré ANM) foram flagrados em omissão de fiscalizar, ao tempo do ajuizamento da demanda. Esse serviço público foi consideravelmente aperfeiçoado, notadamente por parte da Fepam, que passou a exigir proteção ambiental muito mais rigorosa e efetiva das demais rés, especialmente no que se refere ao licenciamento ambiental. Também a atividade de fiscalização ambiental imediata foi aperfeiçoada, resultando em uma sequência de apontamentos de violações”.
Dessa forma, ele responsabilizou a Fepam para apurar os danos ambientais que tenham ocorrido no passado, com a obrigação de revisar todas as licenças de operação de extração de areia do Rio Jacuí vigentes no momento do ajuizamento deste processo, 2 de agosto de 2006. Além de verificar a ocorrência de dano ambiental nas áreas das licenças até a data em que foram revisadas em função da liminar expedida neste processo.
Audiência que fixou medidas para retomada da atividade de mineração
Em 12 julho de 2013, foi realizada uma audiência que fixou medidas a serem adotadas para permitir a retomada da atividade de mineração no Rio Jacuí. Na sentença, o juízo tomou como referência os termos fixados naquele dia.
“A busca por uma decisão com real possibilidade de concreção há de ser coordenada com o dever de determinar as medidas imprescindíveis, efetivas, suficientes e oportunas para assegurar que a atividade econômica de mineração de areia, desenvolvida no Baixo Rio Jacuí há décadas. Em termos mais abstratos, hão de compatibilizar-se os preceitos do inc. VI do art. 170 e do art. 225 da Constituição”, afirmou De Nardi.
O juiz destacou que várias medidas administrativas já foram tomadas pela Fepam e pela ANM como consequência do mandado liminar expedido nesta ação civil pública, inclusive a revisão das licenças ambientais concedidas às empresas rés com ampliação de restrições de atividades de mineração de areia. O zoneamento ecológico-econômico está próximo da conclusão, tendo sido vencidas diversas restrições orçamentárias e de regulação para chegar a tal resultado, muitas delas expostas neste processo.
Ele ressaltou que a liberação da mineração de areia com restrições tentou compatibilizar a proteção ambiental com as necessidades econômicas e sociais, já que a plena restrição à atividade afetou drasticamente a oferta do insumo, ao passo em que se experimentava aumento de demanda, sem alternativa para a areia. “Dessa forma e dentre as possibilidades existentes, mostra-se como a mais coerente a conclusão de zoneamento ecológico-econômico do Rio Jacuí, instrumento pelo qual a Administração (a ré FEPAM) poderá melhor decidir sobre o licenciamento da mineração de areia e a sociedade como um todo e o Poder Judiciário poderão controlar a razoabilidade de suas decisões, sem proibição total da atividade, enquanto for compatível com a subsistência do meio ambiente equilibrado”.
O magistrado julgou então parcialmente procedente a ação condenando a Fepam a elaborar e custear o zoneamento ecológico-econômico para a atividade de mineração de areia nos cursos médio e baixo do Rio Jacuí no prazo de até dois anos contados da data desta sentença. Ele também manteve vigente as medidas impostas na liminar até a conclusão do zoneamento.
A Fepam ainda deverá apurar, em dois anos, os danos ambientais que tenham ocorrido no passado, revisando as licenças de operação de extração de areia do médio e baixo curso do Rio Jacuí vigentes entre a data do ajuizamento desta ação civil pública e a revisão das mesmas licenças conforme determinado na decisão em audiência de 12 julho de 2013, e a adotar as providências necessárias para reparação ambiental. Cabe recurso da decisão ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.