Uma mensagem que passou a encher as caixas de e-mails de usuários cachoeirenses chama a atenção neste mês com a maior incidência dos disparos feitos. Segundo a promessa, endividados de Cachoeira do Sul podem voltar a terem crédito ao pagarem por um esquema ilícito. Legalmente, limpar o nome sem que os órgãos credores sejam procurados não é possível. Nada que impeça a oferta dos estelionatários.
A reportagem do OCorreio Digital investigou o golpe e conseguiu contato com uma responsável por negociações com clientes da fraude. A mulher que diz ser “analista de crédito” e ter o nome “Carla” explica o funcionamento do serviço que oferece. “[É feito] Através da alteração da data em que a dívida é colocada no sistema. Diretamente nos sistemas de proteção, fazemos a alteração manual de seu registro ou aumento do score“, detalha a golpista.
Conforme acrescenta a negociadora, score é a pontuação relacionada ao risco de crédito. “Quanto menor seu score, maior o seu risco. Em geral, a pontuação varia de 0 a 1.000, onde 0 e altíssimo risco e 1.000 é baixíssimo risco. Ou seja, quanto maior seu score, mais fácil de você conseguir empréstimos, financiamento, cartões e tudo mais”, amplia a mulher ao acreditar que negocia com o próximo cliente do golpe.
No meio do conversa, a reportagem indaga sobre quanto seria o aumento da pontuação. “O score depende de vários fatores: idade, endereço, profissão e outros. Não podemos te dar um número exato, mas garantimos que vai ficar entre 900 e 970″, indica a negociadora do grupo de estelionatários. “Pela lei, toda dívida expira em cinco anos. O que fazemos é alterar a data de início de modo a fazer a dívida expirar”, explana a integrante da quadrilha.
Tabela de preços
De acordo com “Carla”, o cliente do esquema não precisa pagar a dívida e nem renegociar para ter seu nome limpo junto aos órgãos de proteção ao crédito. “No momento em que for abrir um crediário, solicitar talões de cheque, fazer empréstimos, financiamentos de automóveis ou imóveis, nada vai constar em seu CPF ou no seu CNPJ. Ninguém pode ser negativado duas vezes pela mesma dívida”, completa.
A negociação passa a ser sobre o pagamento pelo serviço do bando. Para encomendar a fraude, o cliente endividado precisa repassar informações. A lista inclui nome e Cadastro de Pessoa Física ou Jurídica (CPF ou CNPJ), além da opção preferida para pagar pelo golpe (à vista ou em duas parcelas) e indicação sobre a escolha entre limpeza de nome ou aumento de score.
A reportagem questiona a negociadora a respeito do prazo para a execução da fraude. “Após a confirmação do pagamento, levo dez dias para que os serviços sejam realizados”, responde a mulher.
Uma tabela de preços é enviada. Os valores variam conforme a forma de pagamento. Caso seja à vista, o cliente paga R$ 100 para a recuperação do crédito ou ampliação de score, independente se para CPF ou CNPJ. Já na opção pelo parcelamento, o preço passa a ser R$ 150. Ainda no pagamento a prazo, o cliente da quadrilha precisa depositar metade de entrada e o restante após a conclusão do esquema e a confirmação do sucesso da fraude. “A única garantia que tenho que vou receber é estar recebendo antecipado”, justifica a golpista.
A garantia do contratante é o próximo destaque feito pela negociadora. “Estamos há mais de cinco anos executando este serviço. Nunca deixamos nenhum cliente sem serviço executado. Não seria hoje que deixaríamos”, exalta “Carla”. “Não que eu não dê garantias. O serviço funciona. Não existe como oferecer uma garantia formal como um contrato, uma nota fiscal ou recibo. É questão de confiar ou não confiar”, dispara. “Confiando, terá o CPF limpo. Então pode ficar na certeza de que o serviço será feito. Não enganamos nossos clientes. Ganhamos novos clientes por indicação dos clientes antigos”, valoriza o golpe que negocia.
Nada-consta
“Carla” rechaça o pedido da reportagem em indicar um cliente do esquema. “Não uso meus clientes como exemplo para ninguém, assim como você também não iria gostar que te indicasse para ser usado como referência para pessoas que você não conhece”, alega. “Junto do nada-consta que te entrego, você leva todas as consultas completas com o antes e depois de seu nome limpo”, reforça a mulher. Nada-consta é um documento por meio do qual um órgão de registro declara nada constar em pesquisa sobre pessoas físicas ou jurídicas.
Segundo “Carla”, a recuperação é feita direta no sistema. “[O cliente] Pode fazer financiamentos, empréstimos, cartões de credito, cheques e tudo mais. Seu CPF ou CNPJ fica limpo em qualquer sistema de consulta”, assegura a negociadora do golpe. “As exclusões são definitivas”, finaliza.
Alerta
A titular da Delegacia de Repressão a Crimes Informáticos (DRCI) do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), delegada Luciana Caon, destaca um monitoramento constante para combater o tipo de delito. “Ele (golpe) oferece uma vantagem, ilude a vítima de que vai retirar o nome dela de SPC, de Serasa…”, comenta.
Inquéritos sobre o golpe – que também passa a encher as caixas de e-mails de cachoeirenses neste mês – já foram abertos para apuração das denúncias pelo Estado.
A reportagem do OCorreio repassou as informações apuradas ao titular da 1ª Delegacia de Polícia de Cachoeira do Sul, Ricardo Milesi. O delegado é taxativo em seu alerta para a população cachoeirense. “Trata-se de estelionato. As pessoas têm que filtrar as informações que leem através de redes sociais e e-mails. Não se pode acreditar em tudo”, define.
Os serviços listados nas mensagens são SPC (Serviço de Proteção ao Crédito), Serasa (Centralização de Serviços dos Bancos), CCF (Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos) e Bacen (Banco Central do Brasil), além de cartórios de protestos.
Dicas
A orientação é procurar o credor e negociar, uma vez que um acordo interessa às duas partes. A partir do primeiro pagamento, as inscrições em órgãos de proteção ao crédito devem sair em no máximo cinco dias úteis.
Se a dívida já completou cinco anos da data de vencimento, mas não foi paga, haverá a prescrição. Os órgãos de proteção ao crédito retiram automaticamente o nome do devedor de seus cadastros, caso não houver parcelas vencidas e não pagas que ainda não prescreveram.
A Lei prevê para reclusão de um ano a cinco anos para o crime de estelionato, além de multa. Já a inserção de dados falsos em sistema de informações tem previsão de dois a 12 anos de prisão, além de multa. Outra parte do esquema – invasão de dispositivo informático – também é crime previsto com detenção de três meses a um ano, além de multa.