Na expectativa de faturar mais em razão do preço recorde do arroz registrado desde as últimas semanas, produtores do grão deverão aumentar a área plantada na safra 2020/2021. É o que mostram os números do levantamento de intenção de plantio divulgado pelo Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga). Concluído no começo do mês, estudo aponta que deverão ser plantados no Rio Grande do Sul 969.162 hectares durante a safra de verão.
O levantamento foi realizado pela Divisão de Assistência Técnica e Extensão Rural (Dater) do Irga, a partir de informações coletadas pelas equipes dos Núcleos de Assistência Técnica e Extensão Rural (Nates) do Irga junto aos orizicultores. O aumento em comparação com a safra anterior deverá ser de 3,5%, segundo o Irga, embora estudos com este mesmo enfoque apontem para o dobro dessa projeção. Atualmente, a saca de 50 quilos do cereal tipo 1 (58% de grãos inteiros) é vendida a valores que variam entre R$ 100,00 e R$ 110,00 nas praças do Estado, um aumento superior a 100% em comparação com o mesmo período do ano passado.
O presidente da União Central de Rizicultores (UCR) de Cachoeira do Sul, Ademar Kochenborger, o Pinto, considera que este bom momento é, de um modo geral, ilusório para o setor produtivo, pois estima-se que 90% dos arrozeiros já não tenham produto disponível para negociar pelo preço praticado atualmente. “Um eventual aumento excessivo de área plantada, com o Estado passando de 1 milhão de hectares, é tiro no pé para o setor. Se quisermos ter renda, precisamos ajustar a produção ao consumo”, resume Pinto.
SAIBA MAIS:
Cenários que contribuíram para o aumento do preço do arroz:
- Escassez de arroz de alta qualidade no mercado;
- Risco de desabastecimento no país;
- Alta do dólar, o que estimulou o aumento das exportações;
- Pagamento do auxílio emergencial, o que contribuiu para um aumento no consumo;
- Diminuição gradual e contínua na área plantada, acentuada na segunda metade da última década. A área plantada com arroz no Brasil teve uma drástica redução de 55% nos últimos 20 anos, passando de 3,677 milhões de hectares para 1,650 milhão de hectares, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Sucessivas crises são atribuídas ao aumento de área plantada
Para Pinto, que acumula décadas de dedicação à produção de arroz e soja, um erro muito comum praticado por grande parte dos produtores é a falta de planejamento. O aumento desenfreado da área plantada nos últimos anos é tido como um dos principais fatores para as sucessivas crises vividas ano após ano pelo setor arrozeiro. Produtores que se dedicaram exclusivamente ao cultivo do arroz passaram por situação de insolvência. Há casos de arrozeiros que tiveram de entregar patrimônio, como terra, maquinário e o pouco que produziram aos bancos onde contraíram financiamento para custear a safra.
“Uma grande parte dos produtores simplesmente não faz conta, não coloca na ponta do lápis, e vai aumentando a área. Compram os insumos sem calcular a relação entre o custo da produção, a produtividade e o quanto irá produzir. Como a lavoura é uma atividade cara, resultado está aí, muita gente quebrou e não teve como permanecer na atividade”, analisa Pinto, que lembra ainda que a obtenção de renda está no aumento da produtividade sem expandir a área plantada. “Nós vamos entrar na safra com um custo ao redor de R$ 10 mil por hectare. Se quisermos ao menos empatar, teremos de vender lá na frente esse mesmo arroz a, pelo menos, R$ 70,00 a saca”, projeta.
Isenção da TEC de importação pode abrir caminho para arroz estrangeiro de baixa qualidade
Anunciada nesta quarta-feira (9) pelo governo federal, a isenção da Tarifa Externa Comum (TEC) para o arroz importado poderá abrir caminho para o ingresso no país de arroz estrangeiro de baixa qualidade. Com a medida, o governo justifica que pretende eliminar um risco de desabastecimento do cereal no país, que já chegou a ter 1 milhão de toneladas em estoque de passagem e hoje conta com cerca de 15 mil toneladas, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
O estímulo do ingresso de arroz estrangeiro pode abrir caminho para entrada de produto de qualidade inferior no Brasil. “Eu vejo muita conversa em cima dessa isenção da TEC. A gente não sabe exatamente o efeito prático disso. O que vão fazer? Trazer arroz da Ásia, onde atiram o produto no asfalto para os carros descascarem passando com os pneus por cima? Tudo indica que essas medidas trarão arroz de péssima qualidade, que nem cozinha direito quando colocado na panela”, prevê o presidente da UCR, Pinto Kochenborger. “Não há, no mundo, arroz com qualidade superior ao produzido no Rio Grande do Sul”, prossegue.
Além disso, o cenário é de desabastecimento de arroz no mercado mundial. Recentemente, o Furacão Laura devastou a área agrícola da Região Sul dos Estados Unidos, perto do Golfo do México, onde se concentra grande parte da produção americana de arroz. Já a China viveu em 2020 momentos extremos de forte estiagem e enchentes em diferentes regiões, o que também acabou contribuindo para a queda na produção de grãos.
PORTAL OCORREIO ENTREVISTA:
Cleiton Evandro dos Santos, cachoeirense, analista da AgroDados Inteligência em Mercados de Arroz
Portal OCorreio – Até que ponto este cenário de preço nunca antes visto pode influenciar na área plantada na safra 2020/2021 no Rio Grande do Sul?
Cleiton Santos – A área de arroz no RS – e no Brasil e no Mercosul – vai crescer, sim, e essencialmente por causa dos preços praticados nesta temporada. São preços altos, corrigidos em 120% em 12 meses, que nem sequer eram sonhados pelos agricultores. Minha empresa fez uma pesquisa por amostragem, em julho, com grandes produtores e as principais consultorias de extensão rural (64 entrevistas no total) e projetou uma tendência de aumento de área de 7,2%, que elevaria a área para 1,010 milhão de hectares. O Irga está prevendo 970 mil hectares. E há muitas pessoas do setor prevendo algo mais próximo de 1,1 milhão de hectares, extraoficialmente. Fossem mantidos os patamares de preços de 2019/20 (ano comercial, que vai de março de 2019 a fevereiro de 2020) não teríamos um crescimento, no máximo a manutenção, seguindo uma tendência de redução dos últimos cinco anos. Isso porque o arroz não estava rentabilizando boa parte dos produtores, em especial aqueles que acumularam um passivo (dívidas) por fatores climáticos e dependem das CPRs (empréstimos diretos) da indústria ou dos fornecedores. Um dos fatores que se pode destacar com relação à recuperação de áreas, é a queda da oferta de áreas de arroz para arrendar. Havia muitas no RS ano passado. Para esta temporada não só o arrendamento está mais caro como são poucas as áreas remanescentes disponíveis.
Portal OCorreio – Quais são as perspectivas logo ali na frente? Esse cenário de alta nos preços tende a se manter até a colheita da safra 2020/2021?
Cleiton Santos – Vale lembrar que muitos produtores vão plantar na esperança de que estes preços – ou pelo menos valores inferiores, mas ainda remuneradores – se mantenham até a safra. Isso porque 70% dos produtores gaúchos, aproximadamente, venderam o arroz abaixo dos R$ 65,00. São aqueles que dependem das CPRs e precisam entregar o produto na liquidação do contrato, entre março e abril. Muitos outros venderam o arroz a R$ 70,00 e R$ 75,00 pois acharam que este poderia ser o teto de preços, na época, e que no segundo semestre haveria produto sobrando e por preço baixo, em especial do Mercosul. No entanto, como o Mercosul exportou tanto quanto o Brasil, estamos sob escassez de oferta. O preço de R$ 105,00 a R$ 110,00 praticado hoje, alcançou, estima-se – no máximo 10% dos produtores – e muitos deles já com volumes muito pequenos de estoques próprios (de 5% a 10%). Mas, quem colher cedo (em janeiro) pode ainda pegar cotações um pouco mais elevadas. Isso apressou o plantio no Sul de Santa Catarina e em algumas regiões gaúchas, como no Litoral Norte e na Zona Sul, onde já têm sido plantadas “lavouras de inverno”, isso é, semeadas ainda em agosto, quando o clima abre uma janela.
Portal OCorreio – A safra 2019/2020 foi dramática sob a perspectiva de clima. O arroz ainda superou pela boa reserva de água para irrigação, mas a estiagem trouxe prejuízos milionários ao agro no sul do Brasil, e agora estamos ingressando num período de La Niña, que se caracteriza também por longos de períodos de seca. O que esperar nesse sentido para os próximos meses?
Cleiton Santos – Os limitantes, mais uma vez, são o acesso ao crédito e o clima. Até semana passada a Campanha estava com muitas barragens a 60% da capacidade e parte da Fronteira-Oeste entre 70% e 80%. O ideal é que se plante com 100% da água reservada para irrigar – o que reduz o risco de perdas – mas, os agricultores gaúchos confiam sempre uma parte da lavoura a “São Miguel”, padroeiro das enchentes de primavera. São estas chuvas que podem recompor o restante dos mananciais e garantir a irrigação. Se negarem as chuvas, o problema será maior. De qualquer maneira, estamos prevendo uma condição meteorológica de La Niña. As altas produtividades gaúchas e catarinenses estão associadas ao La Niña, que é um ano mais seco, mas em geral com eventos de tempestade e até enchentes em áreas localizadas (já houve temporadas de La Niña faltando chuva em algumas regiões e com decretos de calamidade na Zona Sul e na Depressão Central por causa das enchentes). De qualquer maneira, não se acredita que a produtividade da próxima safra – por este perfil de maior área muitos produtores ainda sem muitos recursos e La Niña – não será tão espetacular quanto o recorde de 2019/20. Apesar de todos os problemas climáticos que houve (enchentes e enxurradas em outubro e seca de novembro a março) o ano de clima neutro, que causou tantos prejuízos à soja e ao milho e pastagens, foi praticamente perfeito para o arroz.