Uma iniciativa de estudantes do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFSM / campus Cachoeira do Sul foi apresentada à Defesa Civil e à Secretaria de Inclusão Social do Município. Os representantes dos setores estiveram no local onde são desenvolvidos protótipos de estruturas modulares montáveis que, com o uso de tecidos, se tornam pequenos cômodos privados para pessoas abrigadas em espaços temporários.
O grupo, formado por 13 acadêmicos de diversos semestres e um técnico-administrativo em educação, é coordenado pelo professor e arquiteto Samuel da Silva de Brito, idealizador do projeto. De acordo com o coordenador, a proposta surgiu enquanto o corpo docente do curso mapeava opções de auxílio ao enfrentamento das consequências da enchente em Cachoeira do Sul.
Os módulos foram inspirados na atuação do premiado arquiteto japonês, Shigeru Ban, criador de abrigos de baixo custo para vítimas de terremotos em seu país. O sistema de Ban já foi aplicado para desabrigados na Itália e na Ucrânia e, agora, está sendo adaptado e ajustado à realidade gaúcha, com medidas e materiais apropriados para o imediatismo da situação.
O plano foi iniciado com foco em atender aos desabrigados que estão no Ginásio Municipal Professor Derli Steinmetz – conhecido como Derlizão – gerenciado pelo poder público, sob a tutela da Secretaria de Inclusão Social de Cachoeira do Sul. “Tivemos acesso às pessoas alojadas no Derlizão, que foram consultadas e aprovaram nossa presença lá para tentarmos ajudar. Ficamos lá por dois turnos para entender o funcionamento e a dinâmica das famílias no espaço”, explica Brito.
A ação com as estruturas temporárias de privacidade para abrigos emergenciais começou há cerca de duas semanas, em um espaço cedido pela Primeira Igreja Batista (PIB) de Cachoeira do Sul. Conforme o coordenador, esse apoio foi essencial para que os alunos se envolvessem na iniciativa, visto que o campus fica longe do centro e que as atividades na Universidade ainda não haviam retornado.
Dois protótipos de módulos de privacidade para organizar o ambiente e melhor acomodar as famílias no ginásio foram elaborados. Na primeira semana, o grupo desenvolveu o mais simples, elaborado com TNT (sigla de “tecido não tecido”) e papelão, material doado por mais de 10 empresas da cidade. Na semana seguinte, o outro protótipo, uma evolução da proposta anterior, foi montado com tecido e tubos de pvc doados pela Universidade e por empresas de hidráulica do Município.
Segundo o professor, após entenderem o funcionamento dos protótipos, os representantes dos setores municipais elogiaram o engajamento e o acerto dessa infraestrutura. “Eles fizeram várias falas muito entusiásticas e estão bastante impressionados. Querem botar em prática e continuar uma parceria para executar esses protótipos. Isso dá um ânimo geral no meio de cenários e notícias tão ruins”, afirma.
Para Brito, o trabalho de base apresentado deixou os presentes impactados e extremamente satisfeitos. “Tanto a parte de gestão humana, da Secretaria de Inclusão Social, quanto a de gerenciamento de crise, que é a Defesa Civil, ficaram tocadas e entusiasmadas com a solução. É uma dose de alegria para os nossos alunos, para mim mesmo, para todos. É muito satisfatório, pois foram apenas duas semanas de trabalho e a gente conseguiu grandes resultados”, declara.
O professor relata que todos ficaram comovidos com o engajamento estudantil no que ele define como “frentes de retaguarda técnica e de contribuição única”. Agora, se explora a viabilidade de uma verba para a compra e a preparação desses protótipos para futuras situações de desabrigo. Para ele, os Ninhos – que é como chama os espaços criados – criam um grande diferencial na rotina daqueles que precisam compartilhar o mesmo teto com diversas famílias desconhecidas.
O coordenador se sensibiliza com os desabrigados que vivenciam essa situação de vulnerabilidade e estresse emocional e ambiental. “Nos choca a total falta de privacidade, de um espaço íntimo para que tu possas até mesmo chorar de modo reservado. Então, para nós, que trabalhamos com arquitetura e urbanismo, pensar em um sistema de fato viável, simples e que qualifica muito, é algo que nos toca. São nossa competência e nossa sensibilidade agindo numa área de domínio”, desabafa.
Próximos passos
De acordo com Brito, o projeto, se bem-sucedido, pode ser replicado em todos os abrigos no estado, pois os módulos, além de feitos com materiais acessíveis, são leves e de fácil manipulação. “É como se fosse um kit de Lego, um sistema que pode ser manipulado por qualquer um, não precisa ser um trabalhador da construção civil. Ao contrário do que seria se usássemos a madeira, que torna tudo muito mais caro, é difícil de transportar, montar e desmontar e exigiria um manuseio mais especializado”, argumenta.
Ninhos propiciam mais conforto e privacidade às famílias
O professor afirma que o Ninho de PVC e cortina é o ideal para ser usado em um projeto piloto que a Defesa Civil deve abraçar e implementar nas próximas semanas. Os planos são registrar devidamente a ação no âmbito Institucional e avaliar a sua divulgação pública. Alguns aprimoramentos – como travas de segurança para que os canos de PVC fiquem mais firmes – também estão sendo pensados e devem ser realizados em um curto espaço de tempo.
Brito informa que a Defesa Civil solicitou que o grupo estudasse a criação de um módulo de tomadas para que cada um dos Ninhos tenha acesso à energia elétrica. “A gente já dialogou previamente com a Defesa Civil qual seria o tubo do pilar que teria que ter tomadas. Eles já nos demandaram um ajuste para, quando forem implantar, o sucesso ser garantido “, explica. O arquiteto comenta, ainda, que o curso de Engenharia Elétrica do Campus de Cachoeira do Sul deve ser convidado a auxiliar nessas melhorias.
Segundo ele, a situação de abrigos emergenciais em ginásios se encaminha para um encerramento e a prioridade é a execução imediata. “Várias famílias estão retornando às suas casas, agora que as águas baixaram. Famílias que perderam as casas, estão sendo alocadas em outros abrigos que não são ginásios, são locais mais ‘confortáveis’ para um período mais longo. Então, agora, é executar e realizar as tratativas com a Defesa Civil, porque estabelecemos esse diálogo para firmar uma parceria efetiva”, conclui Brito.
A equipe já tem idealizado medidas apropriadas para a realidade dos desabrigados brasileiros, com possibilidade de isolamento entre os módulos e peças maiores para alojar famílias de quatro ou cinco pessoas. O time está avaliando a elaboração de uma campanha de patrocínio voluntário e doações da sociedade geral para a compra de material para que o projeto atenda outras cidades com desabrigados em ginásios.