Circularidade na estrada: como a economia circular está redefinindo o mercado automotivo no Brasil

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Circularidade na estrada: como a economia circular está redefinindo o mercado automotivo no Brasil
COLUNAS
4 de dezembro de 2024 - Circularidade no setor automotivo - Foto: Freepik

A economia circular, um conceito que propõe a redução, reutilização e reciclagem de recursos, está transformando diversos setores industriais, e o mercado automotivo não é exceção. No Brasil, essa abordagem vem ganhando espaço como uma resposta sustentável aos desafios ambientais e econômicos do setor, especialmente diante do aumento da pressão por práticas ambientalmente responsáveis e da busca por eficiência nos processos produtivos.

Enquanto o modelo tradicional linear — baseado em “extrair, produzir, consumir e descartar” — predomina há décadas, a circularidade no setor automotivo oferece uma visão mais integrada e sustentável. Este modelo promove o reaproveitamento de materiais, a extensão do ciclo de vida dos produtos e a redução dos impactos ambientais ao longo de toda a cadeia produtiva. Com isso, a economia circular não só redefine como veículos e componentes são produzidos, mas também influencia práticas de manutenção, consumo e descarte.

Os desafios ambientais e econômicos do setor automotivo

O mercado automotivo é um dos mais impactantes ambientalmente. Estima-se que a fabricação de um único carro emite aproximadamente 7 toneladas de dióxido de carbono (CO₂) durante o processo produtivo. Os veículos descartados de maneira inadequada contribuem para o acúmulo de resíduos, como metais, borracha e plásticos, que podem levar séculos para se decompor. No Brasil, onde a frota de veículos supera os 60 milhões, a gestão desses resíduos é um desafio crescente.

A economia circular se apresenta como uma solução para reduzir a pegada ecológica do setor. De acordo com o relatório “The Circular Cars Initiative” do Fórum Econômico Mundial, práticas circulares podem reduzir até 75% das emissões de CO₂ associadas à produção e uso de automóveis até 2030. No Brasil, a adesão a essas práticas é essencial, dada a necessidade de alinhar desenvolvimento econômico com sustentabilidade.

Práticas de circularidade no mercado automotivo

A implementação da economia circular no setor automotivo brasileiro abrange desde a fabricação até o descarte responsável de veículos. Algumas das principais iniciativas incluem:

1. Uso de materiais reciclados e recicláveis

As montadoras estão cada vez mais incorporando materiais reciclados em seus processos produtivos. A utilização de plásticos recicláveis, aço de reaproveitamento e alumínio reciclado contribui para reduzir o consumo de recursos naturais e a energia necessária para a produção.

2. Remanufatura de peças

A remanufatura de componentes automotivos, como motores, alternadores e caixas de câmbio, é uma prática que cresce no Brasil. Esses processos permitem que peças desgastadas sejam recuperadas e reutilizadas com qualidade semelhante à de uma peça nova, reduzindo custos e impactos ambientais.

3. Reutilização de pneus

Um exemplo notável de circularidade no setor é o reaproveitamento de pneus usados. Produtos como o pneu remold, que consiste na reforma de pneus descartados para estender sua vida útil, representam uma alternativa sustentável para o consumidor. Além de reduzir a necessidade de matéria-prima virgem, os pneus remold diminuem significativamente o volume de resíduos descartados de maneira inadequada no meio ambiente.

4. Reciclagem de veículos no fim da vida útil

A reciclagem de veículos fora de uso ainda enfrenta desafios no Brasil, mas iniciativas começam a ganhar força. Processos avançados permitem a desmontagem de carros para recuperar metais, plásticos e outros materiais valiosos. Montadoras como Toyota e Volkswagen têm programas internacionais de reciclagem que estão sendo adaptados para o mercado brasileiro.

Benefícios econômicos e ambientais

A economia circular oferece vantagens tangíveis para consumidores, empresas e o meio ambiente. Para os consumidores, produtos circulares, como peças remanufaturadas e pneus remold, muitas vezes são mais acessíveis, sem comprometer a qualidade. Para as empresas, a reutilização de materiais reduz custos de produção e pode criar novos fluxos de receita por meio da venda de componentes reciclados.

Do ponto de vista ambiental, os benefícios são ainda mais significativos. Segundo o estudo da Universidade de São Paulo (USP) sobre reaproveitamento de materiais automotivos, a reutilização de componentes pode reduzir até 60% das emissões de gases de efeito estufa associadas à fabricação de peças novas. As práticas circulares ajudam a minimizar o volume de resíduos descartados em aterros sanitários ou de forma irregular.

A digitalização como aliada da circularidade

A transformação digital também tem desempenhado um papel crucial na implementação da economia circular no setor automotivo. Tecnologias como Internet das Coisas (IoT), big data e inteligência artificial ajudam empresas a monitorar o ciclo de vida de veículos e componentes, identificando oportunidades para manutenção preventiva, remanufatura e reciclagem.

Por exemplo, sensores instalados em veículos podem coletar dados sobre o desgaste de peças, permitindo que empresas ofereçam serviços de manutenção mais eficientes. As plataformas digitais facilitam o comércio de peças remanufaturadas e produtos circulares, conectando consumidores a soluções sustentáveis.

Políticas públicas e incentivos no Brasil

Apesar dos avanços, a economia circular no setor automotivo brasileiro ainda enfrenta desafios regulatórios e estruturais. Políticas públicas específicas, como incentivos fiscais para empresas que adotam práticas sustentáveis, são fundamentais para acelerar essa transição. A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), por exemplo, já estabelece diretrizes para a logística reversa de pneus, baterias e outros componentes automotivos, mas sua implementação ainda é limitada.

A criação de parcerias público-privadas também pode impulsionar a circularidade no setor. Em países europeus, como Alemanha e França, essas colaborações têm sido essenciais para implementar sistemas eficazes de reciclagem e remanufatura. O Brasil pode se inspirar nesses modelos para desenvolver políticas mais robustas e incentivar práticas circulares.

Perspectivas para o futuro

A economia circular está transformando a forma como o mercado automotivo brasileiro opera, mas ainda há um longo caminho a percorrer. Investimentos em tecnologia, educação e políticas públicas são cruciais para escalar essas práticas e torná-las acessíveis a toda a cadeia produtiva.

A conscientização dos consumidores desempenha um papel vital. Escolher produtos circulares, como pneus remold e peças remanufaturadas, é uma maneira de apoiar um mercado mais sustentável e responsável.

A transição para a circularidade no setor automotivo não é apenas uma tendência, mas uma necessidade para enfrentar os desafios ambientais e econômicos do século XXI. Com esforços coordenados entre empresas, governo e sociedade, o Brasil pode se posicionar como um líder regional em práticas sustentáveis, contribuindo para um futuro mais limpo e eficiente. Afinal, na estrada da economia circular, cada escolha conta.