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Cadê a gurizada que jogava bola na minha rua?

Faz algumas semanas que comecei, de forma tímida e despretensiosa, a fazer algumas caminhadas ao entardecer para queimar os excessos típicos de quem chega aos trinta e poucos, arrastando correntes pela casa no home office, e que não abre mão de uma costela gorda e daquela cervejinha trincando que todos nós, simples mortais comuns, merecemos nos finais de semana. E a rota inicial que escolhi para esses exercícios curtos e moderados tem sido o meu bairro mesmo, alternando algumas ruas, por vezes passando pelo local onde nasci e cresci.

E isso me acentuou a nostalgia que naturalmente trago comigo, saudosista e apegado ao passado que sou. Aliás, isso é um problema que não sei ao certo de quem herdei, pois todos com quem convivo, inclusive familiares, não padecem desse mal, ou ao menos não transparecem. E isso por vezes atrapalha um pouco, por me tirar do foco daquilo que realmente importa: seguir em frente, pois é pra frente que se anda.

Mas voltando àquela rua em específico, onde nasci e cresci. Ao passar a pé por ela, esses dias, fiquei reparando no vazio, na ausência de pessoas, de crianças correndo e brincando, e esse vazio tomou conta de mim. Cadê aquela gurizada que, no meu tempo (lá pelos anos 90), jogava bola na grama onde hoje é calçada, jogava taco onde hoje é o asfalto, que chamava uns aos outros de “seco”, “magricelo”, “gordo”, “zoreia”, “pereba” (jogador ruim)? E ninguém se ofendia, ninguém se queixava de bullying.

Cadê o Chico, o Jader, o Marcos, o Marcelinho, o Marcio, o Fabrício, o Telminho, o Chucky, o Rodrigo, o ET, o Du? Cadê a alegria da gurizada brincando, brigando, rindo, choramingando, se queixando pra mãe, fazendo as pazes de novo, brincando de novo, ralando o joelho e as canelas de novo, sorrindo de novo?

Cadê???

Até trilha para bicicleta no meio do mato a gente fazia. Claro, com autorização do saudoso Seu Francisco, que era o dono na época. Campinhos de futebol eu até perdi as contas de quantos a gente fez nos terrenos baldios da redondeza. E tudo era tão bom, tão saudável, tão feliz, mesmo a vizinhança toda tendo tão pouco dinheiro naquela época. Eu chegava da aula e fazia correndo a lição para descarregar a energia que todo moleque de vila tem. E nunca conheci médico, a não ser depois de ter trocado a infância pela adolescência e a idade adulta.

O celular, o computador, o Play Station, a internet, o Facebook, o Instagram e afins trancaram e gurizada dentro de casa. Acabou a alegria das ruas. Não tem mais crianças. Não tem mais futebol, nem jogo de taco, nem nada. Só o barulho triste e frio dos motores.

E nada e nem ninguém me convence que tenha sido a pandemia. Ela pode até ter agravado, mas esse fenômeno, essa clausura das crianças e dos adolescentes e até de nós, mais veteranos, dentro de casa vem de muito mais tempo.

Talvez isso explique a crescente onda de ansiedade, de depressão, de suicídios, numa escala que vem em ascendência muito antes do que conhecemos por isolamento social, quarentena. De um modo geral, não estamos indo para o sol, para o ar livre. Nossa qualidade de vida, de um modo geral, é inferior até que a dos presos, que têm direito a duas horas de sol por dia.

Acabou a alegria das ruas. Estamos todos, especialmente nossas crianças, reféns de uma tela, das redes sociais, presos aos nossos anseios, aos nossos monstrinhos, mais expostos do que nunca a todo mal e toxicidade oferecidos por esse aparelhinho na palma da nossa mão.

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