Um gesto simples de gratidão do cachoeirense Luís Fernando Bittencourt, 37 anos, ganhou as redes sociais e comoveu nesta semana a comunidade escolar da Escola Ciep Virgilino Jayme Zinn, na zona norte de Cachoeira do Sul. Programador de profissão, ele concluiu nos últimos dias um mestrado na área de Ciências da Computação pela Pontifícia Universidade Católica (PUC RS). Ao finalizar sua dissertação, o cachoeirense fez uma dedicatória aos professores do Ciep, onde há mais de 20 anos concluiu o Ensino Médio.
“Dedico este trabalho aos meus professores de Ensino Médio da E.E.E.M. Virgilino Jayme Zinn, o Ciep, por sempre terem acreditado que a gente da vila poderia alçar voos mais altos. Cá estamos, a gente da vila, rompendo fronteiras”, expôs Bittencourt num slide ao final da apresentação do trabalho de conclusão do mestrado. (continua abaixo das publicidades)
A dedicatória do cachoeirense foi compartilhada no começo da semana nas redes sociais da Escola Ciep e do professor Edson Souza e teve vários comentários de pessoas comovidas com o reconhecimento. Assim como a professora Marcia de Oliveira Machado, o professor Edson é um dos poucos da época de formatura de Luís Fernando Bittencourt que seguem na ativa no estabelecimento de ensino.
O cachoeirense, que hoje mora em Torres, no Litoral Norte, relata que ficou surpreso com a repercussão do gesto. Ele relata que até mesmo desconhecidos têm entrado em contato para cumprimentá-lo por ter reconhecido a importância dos professores do Ensino Médio na sua vida profissional e acadêmica.
“A escola é fundamental. Para pessoas que saíram de onde eu saí, de uma vila carente como a Funcap, a primeira janelinha para o mundo são os professores. Quando vejo aqueles meus professores lá do Ensino Médio, mesmo desvalorizados e merecendo ganhar mais pelo seu trabalho, felizes em verem seus alunos prosperando, indo em frente, tomei a liberdade de falar não só de mim, mas de dedicar essa minha conquista a eles. Pensei: nada mais justo do que lembrar dessa formação de base”, frisa o cachoeirense.
“ACREDITO MUITO NA FORMAÇÃO DE BASE, MAS NÃO GOSTO DO DISCURSO DE MERITOCRACIA”, DIZ O CACHOEIRENSE
Para muitos, o termo “exemplo de superação” pode até soar como um clichê, mas o cachoeirense Luís Fernando Bittencourt é desses indivíduos que conseguiram transpor as barreiras do meio em que vivia para “romper fronteiras”, como ele mesmo escreveu na dedicatória aos seus professores. Graduado em Ciências da Computação em 2010 pela Ulbra Canoas, trabalhou por 12 anos em agências do mercado digital, chegou a empreender nesse meio tempo, depois trabalhou com gestão de pessoas, foi debatedor em diversos congressos e seminários do setor e hoje “trabalha pra fora”, como ele mesmo define, prestando serviços de programação a diversas empresas dos Estados Unidos.
Em 2019, concluiu uma especialização em Big Data & Data Science e a partir de então aprofundou seus estudos em avaliação imobiliária, aplicando recursos de inteligência artificial (IA) para estimar preços de imóveis. No mestrado que concluiu na PUC RS, defendeu a dissertação intitulada “Além dos Números: Uma Perspectiva Multimodal na Avaliação Imobiliária”. Antes de ir embora de Cachoeira do Sul, na primeira metade dos anos 2000 Luís Fernando Bittencourt foi repórter do Jornal O Correio, ainda impresso, que anos depois tornou-se o Portal OCorreio.
No entendimento dele, embora toda essa formação acadêmica seja importante para o crescimento pessoal e profissional, a formação de base é determinante para quem, como ele, precisou encarar a vida de frente, fora de sua aldeia e praticamente sozinho nos seus vinte e poucos anos.
“Para citar alguns exemplos: eu nunca tive (curso de) Inglês que não fosse do Ensino Médio. Sempre me defendi com o que aprendi nas aulas de professores como Cláudio Jungblut, Luciane Cassol e Margaret Basílio, no Ciep. Até nisso essa formação de base foi determinante na minha vida. Aliás, tudo, absolutamente tudo na vida da gente está diretamente associado à escola. O professor Amílto Dalcin, que dava aula em colégio particular em paralelo ao Ciep, era uma representação perfeita de um professor que acreditava nos seus alunos. Dava aula no Ciep com a mesma empolgação com que lecionava na escola particular”, ressalta o cachoeirense.
Bittencourt é avesso, no entanto, a narrativas do tipo “querer é poder”, que enaltecem a meritocracia sem considerar as dificuldades pessoais de cada indivíduo. “Muito do que aprendi e do que sou eu devo à escola. No entanto, não gosto muito do discurso de meritocracia. Porque, para um que vingou, tem vários que por uma razão ou outra não alcançaram resultados semelhantes”, pondera o cachoeirense Luís Fernando Bittencourt.
ALUNO VENCEDOR
Embora o ambiente da periferia seja um tanto quanto hostil com a vontade especialmente dos jovens de prosperar, a Escola Ciep tem sido uma espécie de “trampolim” para alunos que buscam alçar voos mais altos. Internamente e de maneira até informal, a escola tem um projeto que funciona como se fosse um programa de reconhecimento a egressos que alcançam o sucesso profissional e acadêmico.
Batizada de Aluno Vencedor, a iniciativa busca valorizar esses alunos que, por exemplo, concluem uma formação universitária, passam em concurso público, entre outros resultados e objetivos alcançados. “Entre outros objetivos, o projeto Aluno Vencedor busca incentivar nossos formandos a continuarem seus estudos. Transformar vidas através da escola é a nossa missão neste mundo, pois nele estamos para viver, amar e aprender, sobretudo amar, pois Deus é amor”, salienta o professor Edson Souza.
Comovido com a dedicatória do cachoeirense e ex-aluno Luís Fernando Bittencourt, o professor Edson Souza, que acumula duas décadas e meia de Ciep, escreveu nas redes sociais: “Fez uma dedicatória aos professores da escola. Do tempo dele, só restam eu e a professora Marcia de Oliveira Machado, mas, através de um grupo de WhatsApp, os demais professores aposentados ficaram sensibilizados sabendo da sua homenagem. Lembrou-se que é da ‘vila’, da Funcap, e que foi incentivado pelos mestres. Atitude muito nobre, em uma época em que a profissão de ensinar não é valorizada devidamente, mas que em nada nos faz recuar da nossa missão”.
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