Cabeleireira exposta em ação da Vigilância Sanitária denuncia armação

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Cabeleireira exposta em ação da Vigilância Sanitária denuncia armação
ATUALIZAÇÃO / COVID-19
14 de agosto de 2020 - claudete milbradt e adv paranhos

Cabeleireira Claudete e advogado Paranhos: defesa ingressará com ação indenizatória contra a Prefeitura de Cachoeira do Sul / Foto: Milos Silveira/Redação OC

Uma acusação de armação com o intuito de ser montado um flagrante é o novo capítulo do caso envolvendo a cabeleireira Claudete Milbradt, 48 anos, exposta em abordagem da Vigilância Sanitária de Cachoeira do Sul. Ela e seu advogado, o criminalista José Antônio Paranhos Luz, procuraram a redação do Portal OCorreio e afirmaram terem elementos suficientes para concluir e acusar que houve um conluio da Prefeitura de Cachoeira e de uma servidora da Secretaria Municipal da Saúde na fiscalização do dia 5 de junho, que resultou numa autuação dando conta de que ela, preliminarmente diagnosticada com covid-19, estaria atendendo em seu salão de beleza no Bairro São José.

Claudete e o advogado Paranhos forneceram cópia do depoimento de uma enfermeira da Secretaria Municipal da Saúde prestado à Polícia Civil que esteve no salão de Claudete, supostamente à procura de procedimento capilar, momentos antes da chegada da fiscalização. A servidora admitiu à Polícia que deu um nome falso a Claudete, justificando que fez isso por ter achado o salão “um pouco humilde, bem simples”, e que não teria ficado interessada em retornar ao estabelecimento.

Segundo Claudete, horas antes de ir ao salão a suposta cliente telefonou para saber se havia horário disponível. A cabeleireira teria informado que estava com a agenda lotada, com o pretexto de não atender clientes porque estava em isolamento domiciliar. “Qual é o profissional que tem negócio próprio, seja de qual área for, que vai dizer abertamente que está com covid ou outro tipo de doença contagiosa? Ela teve de inventar essa desculpa de agenda lotada para não se prejudicar profissionalmente”, explica o advogado Paranhos, que é de Santa Cruz do Sul.

No entanto, a suposta cliente foi até o salão, segundo Claudete, por volta do meio-dia. A cabeleireira afirma que estava de máscara no momento em que recepcionou a mulher, que teria entrado no salão antes mesmo de ser convidada. Claudete, que afirma ter mantido distância da suposta cliente, diz que não poderia mesmo atendê-la e que, numa avaliação visual, seu cabelo estava perfeito, que não haveria necessidade de nenhum procedimento, momento em que a mulher se despede e sai do salão. “A mulher entrou e saiu do meu salão e a Vigilância já estava na calçada”, afirma Claudete.

Na sequência, a Vigilância Sanitária abordou Claudete ainda na porta do salão, em ação conjunta com a Brigada Militar, e autuou a mulher por infringir determinação do poder público destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa. O crime está previsto no artigo 268 do Código Penal e tem pena que varia de um mês a um ano de detenção, além de multa. “Está muito claro que isso tudo foi preparado, premeditado. Tenho 33 anos de advocacia e não consigo enxergar lógica numa ação dessa natureza. Um flagrante preparado é crime”, dispara o advogado Paranhos.

 

Defesa entrará com ação contra a Prefeitura por dano moral

A defesa da cabeleireira junta elementos de prova para ingressar com ação indenizatória por dano moral contra a Prefeitura de Cachoeira do Sul. O advogado José Antônio Paranhos Luz entende que as provas obtidas até o momento já são suficientes para fundamentar um pedido de reparação de danos.

Nos autos do procedimento policial, quais elementos o senhor dispõe ou julga relevantes para ingressar com uma indenizatória contra a Prefeitura de Cachoeira do Sul no caso envolvendo sua cliente?

O depoimento da servidora da Secretaria Municipal da Saúde tem diversos pontos que nos levam a firmar convicção de que a abordagem da Vigilância foi uma ação desproporcional e preparada para dar um flagrante na minha cliente. Por que ela (a servidora) mentiu o próprio nome? Por que ela insistiu em ir até o salão mesmo depois de a Claudete ter dito que estava com a agenda lotada, que não poderia atendê-la?

Há também outros pontos além do depoimento: por que a Vigilância Sanitária já estava do outro lado da calçada no momento em que a servidora da Prefeitura deixava o salão? Qual a necessidade da presença da Brigada Militar nessa ação da Vigilância?

 

Por que o senhor decidiu assumir a defesa do caso de sua cliente?

Depois que toda essa situação veio à tona, a minha cliente não teve mais como manter sua vida em Cachoeira do Sul, porque houve toda uma rejeição após ela ter sofrido toda essa publicidade negativa. Então ela me procurou, avaliei o caso e constatei uma série de irregularidades. Aí eu questiono: por que toda a publicidade que ganhou esse caso partiu da própria Prefeitura, que distribuiu nota aos veículos de imprensa? Minha cliente foi escrachada.

 

Como a pena para o crime pelo qual sua cliente é acusada é relativamente baixa, seria plenamente possível a conversão para uma transação penal, como prestação de serviços à comunidade. Em caso de eventual condenação, haveria possibilidade de um acordo?

Não. Nós sequer consideramos a possibilidade de condenação. Estamos trabalhando pela absolvição, seja em qual instância for. Mas isso é o que menos nos preocupa. O pior, que foi a publicidade negativa, já foi feito. Mas quem fez tudo isso deu um tiro no pé e terá de arcar com as consequências.

 

“Tive que ir embora de Cachoeira. Estou tentando reconstruir a minha vida”

A cabeleireira Claudete Milbradt foi embora de Cachoeira do Sul e hoje vive em Santa do Sul. Ela afirma que teve deixar a cidade devido à rejeição que sofreu de parte da sociedade após seu caso ter sido tornado público, bem como os prejuízos profissionais que teve com o esvaziamento do seu salão de beleza quando tentou retomar o atendimento após o período de isolamento domiciliar.

O que te levou a deixar Cachoeira do Sul?

Tive que ir embora de Cachoeira do Sul porque não suportei a rejeição de grande parte das pessoas. Meus filhos também sofrem com isso. Dois deles perderam até seus empregos depois dessa repercussão toda. Eles permanecem em Cachoeira e hoje precisamos conviver com a distância. Somos todos muito ligados, muito apegados.

 

Que tipo de rejeição vocês sofreram?

As pessoas chegavam ao ponto de parar com seus carros na frente da minha casa, do meu salão, para filmar, fazer fotos, ficar olhando. Fomos hostilizados. Eu perdi meus clientes. Quem consegue suportar isso? Quando vi meu nome num dos jornais da cidade, comecei a passar mal, a gritar dentro de casa. Fiquei toda torta, com dores horríveis nas articulações, fui levada para a UPA com uma crise de ansiedade muito intensa. O que mais me aborrece, me entristece, nisso tudo, é que se a Covid é tão letal, por que ninguém da Saúde foi à minha casa para saber da minha pressão, verificar se estava tudo bem comigo? Quando fiquei em isolamento, meu namorado permaneceu junto comigo também em isolamento. Clientes e parentes que estiveram comigo antes de tudo isso acontecer passaram por testagem. Foram oito ou nove testes, todos negativos.

 

Como está a sua vida hoje?

Estou tentando reconstruir a minha vida em Santa Cruz do Sul. Vivo de favor em casa de parentes. Pretendo montar meu salão lá, começar a trabalhar, mas as coisas não acontecem de uma hora para outra.

 

O QUE DISSE A SERVIDORA DA PREFEITURA EM DEPOIMENTO:

  • Em depoimento prestado na última segunda-feira (10), a servidora da Secretaria Municipal da Saúde declarou que soube por uma amiga do endereço do salão de Claudete. No dia 4 (um dia antes da abordagem), esteve no local e foi informada pelo ex-marido da cabeleireira que ela não estava em casa. O homem entregou um cartão com os contatos de Claudete.
  • A servidora da SMS afirma ter feito contato com Claudete para solicitar uma avaliação, pois estava enfrentando queda de cabelo. Segundo a mulher, Claudete marcou atendimento para o dia seguinte, às 9h, mas a servidora esqueceu e não compareceu no horário pré-agendado. Afirma que, por ter achado o local “um pouco humilde, bem simples”, ficou pouco interessada em retornar.
  • No entanto, no dia seguinte, Claudete retornou o contato, solicitando a ida da mulher até o salão em horário próximo ao meio-dia. Ao chegar no local na hora marcada, foi atendida e avaliada à distância. Ambas estavam de máscaras. Durante o contato, a servidora da SMS precisou ir até o carro para buscar um produto e mostrá-lo a cabeleireira, mas percebeu que havia esquecido em casa.
  • Diante disso, ela só informou acerca do tipo de produto e foi embora. No mesmo dia, soube por uma amiga que Claudete havia sido alvo da fiscalização da Vigilância Sanitária.
  • Questionada pela Polícia, ela afirma não ter participado de qualquer tipo de “armação” para flagrar Claudete atendendo em seu salão. Nega ainda qualquer participação em situação criada para vigiar ou flagrar a cabeleireira em situação de descumprimento de isolamento social, e reafirmou que a procurou apenas em razão de sua necessidade estética e porque se agradou do preço praticado por Claudete.

 

ATENÇÃO

O delegado João Gabriel Parmeggiani Pes, que está na presidência do Caso Claudete Milbradt, explica que as investigações ainda estão em andamento. Ele explica que a servidora da SMS figura apenas como testemunha no termo circunstanciado. Ela foi arrolada pela defesa da cabeleireira. Uma segunda testemunha ainda deverá ser ouvida nos próximos dias.

 

SAIBA MAIS

O caso Claudete Milbradt:

  • No início de junho, a cabeleireira Claudete Milbradt foi submetida a três testes rápidos, e o primeiro deu resultado positivo para covid-19.
  • No dia 3 de junho, uma equipe de enfermagem da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) foi até a casa da cabeleireira, que passou por outros dois testes rápidos. O segundo deu negativo, e o terceiro – que seria uma espécie de contraprova – atestou positivo novamente. A SMS, então, determinou que Claudete deveria permanecer em isolamento domiciliar por pelo menos 14 dias.
  • No dia 6 (dia seguinte à abordagem da Vigilância), Claudete solicitou e o Laboratório Mombelli foi até a casa dela para um quarto exame, onde foi feita a coleta de material para análise de swab combinado de oro e nasofaringe. O resultado deu “não reagente”.
  • Mais recentemente, já em Santa Cruz do Sul, Claudete foi submetida a um novo exame, que atestou “não reagente”, com a ressalva de que, em algum momento, ela teve contato com o novo coronavírus.