Três pessoas foram ouvidas neste domingo, no julgamento dos quatro réus denunciados pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) por conta da tragédia na boate Kiss. Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, sócios da Kiss, e Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão, da banda Gurizada Fandangueira, respondem por 242 homicídios com dolo eventual e 636 tentativas de homicídios.
O primeiro a depor foi o engenheiro civil Thiago Mutti. Ele responde por falsidade ideológica em um dos processos relacionados à Kiss por ter omitido que era sócio da boate. Para o MP, ele era o real proprietário antes de a casa noturna pertencer a Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, embora seu nome não constasse no contrato social. Por este motivo, depôs como informante.
A promotora de Justiça Lúcia Helena Callegari mostrou que Mutti disse, em depoimento anterior, que vendeu suas cotas da boate, o que contraria seu argumento dado em plenário de que não era sócio antes dos réus Elissandro e Mauro.
Em seguida, o promotor David Medina da Silva mostrou parecer do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea). O documento aponta que, se não houvesse alguns obstáculos na boate, o número de vítimas teria sido menor.
O promotor também mostrou o contrato de locação do imóvel em que funcionava a Kiss. Quando a boate ainda pertencia à família do depoente, o fiador do aluguel era o pai de Elissandro, o que demonstraria proximidade entre eles. O depoimento foi encerrado depois de 5 horas.
Em seguida foi ouvido Delvani Brondani Rosso, testemunha da assistência de acusação. O depoimento, ainda conduzido pelo juiz Orlando Faccini Neto, fez alguns familiares de vítimas saírem pelo impacto causado. Rosso fez um relato detalhado do que ocorreu e dos seus sentimentos na luta para sair da boate e da dor intensa causada pelas queimaduras e inalação da fumaça. Ele contou que, ao perceber a movimentação fora do comum no interior da casa noturna, traçou uma linha imaginária até a saída, mas após alguns minutos, quando o pânico tomou conta, já não conseguia mais manter a trajetória. “Eu não sabia se eu me abaixava ou se ficava em pé. Se eu me abaixasse eu ia ser pisoteado e se ficasse em pé respirava a fumaça. Eu fui me despedindo da minha família, meus amigos, pedindo perdão por alguma coisa que eu tivesse feito”, disse o sobrevivente.
À promotora ele falou que não ouviu ninguém avisando que a boate estava pegando fogo. Também contou que o irmão, que o retirou arrastado da boate depois que ele estava desmaiado, teve que chutar a porta, inicialmente travada pelos seguranças, de acordo com seu relato.
Ao detalhar os dois meses de internação e o longo tratamento, falou, emocionado, de suas dificuldades e desafios. Tive que aprender a caminhar novamente. “Lembro que meu sonho era conseguir tomar um copo de água”. Após as perguntas do Ministério Público e da Assistência de Acusação, apenas uma das defesas inquiriu a testemunha e em seguida o depoimento foi encerrado.
Depois do intervalo da tarde, o julgamento retornou com a oitiva de Doralina Peres, funcionária da empresa terceirizada que fazia a segurança da boate Kiss. Por acordo entre as partes, mesmo indicada por uma das defesas, por ser vítima, a acusação seria a primeira a encaminhar perguntas. Sobre o exercício de sua função como segurança, questionada pelo MPRS acerca de orientações e treinamento, disse que nunca ouviu nenhuma orientação sobre como deveria se portar em caso de incêndio e que o responsável por tal orientação deveria ser o chefe. “A senhora ouviu isso de alguém ou é uma dedução?”, perguntou Medina. “É uma dedução, ninguém nunca falou isso comigo”, respondeu a depoente.
O quinto dia do júri terminou pouco depois das 19h30 deste domingo. A sessão foi retomada n manhã desta segunda-feira. Estão previstos três depoimentos dos 13 que ainda faltam: Stenio Rodrigues Fernandes, testemunha, e as vítimas Willian Renato Machado e Nathália Daronch, todas arroladas pela defesa de Elissandro Spohr.
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