O papa reúne nesta semana, no Vaticano, a hierarquia episcopal da Igreja Católica, que deverá encarar os escândalos das agressões sexuais, num encontro que se anuncia tenso. Os presidentes de uma centena de conferências episcopais de todos os continentes vão se reunir de quinta-feira a domingo com altos prelados, chefes das Igrejas católicas orientais e autoridades de congregações religiosas. Antes de Roma, Francisco pediu aos líderes que se encontrem com vítimas de abusos sexuais em seus respectivos países. Algumas vítimas também foram convidadas.
“Convido vocês a orar por este encontro, que eu planejei como um ato de forte responsabilidade pastoral diante de um desafio urgente de nossa época”, declarou no domingo o Pontífice a uma multidão de fieis reunidos na praça São Pedro para o Angelus. O papa deseja que o evento represente uma tomada de consciência coletiva do fenômeno mundial dos abusos contra menores dentro da Igreja, enquanto muitos países, da África à Ásia, passando pelo Oriente Médio, estão numa posição de negação deste tipo de crime e preferem apontar o dedo para o Ocidente. Em algumas regiões, as múltiplas formas de violência contra as crianças e a sexualidades continuam a ser tabus, daí a importância de um encontro “educativo”.
“Alguém que encontra uma vítima, escuta seu pedido de ajuda, entende suas lágrimas, suas feridas psicológicas e físicas, e, assim, não pode permanecer como antes”, declarou o padre alemão Hans Zollner, um psicólogo que percorreu o mundo para educar os religiosos, e um dos organizadores deste evento. “A Igreja católica é confrontada a este problema há 35 anos”, lembrou, mencionando medidas de prevenção adotadas pelos episcopados no Canadá, nos Estados Unidos, Irlanda, Reino Unido, Alemanha e Austrália. “E isso funciona: em todos esses países, o número de novas denúncias de agressões sexuais contra padres caiu a níveis mínimos”, assegura.
Mas o padre jesuíta não acredita em uma varinha mágica que faça desaparecer o problema com novas leis. Os bispos devem, sobretudo, “alcançar uma mudança de atitude”, insiste. É unindo forças que os líderes poderão “atingir um senso de responsabilidade comum”, analisa o padre Federico Lombardi, que vai liderar os debates. “A credibilidade da Igreja está em jogo”, admite.
Luis Badilla, um vaticanista chileno que administra um blog depois de uma carreira na Rádio Vaticano, fala de um “momento decisivo para o papado”. “Queremos que esta reunião termine com medidas concretas”, disse ele, ecoando o desejo das associações de vítimas que vão se pronunciar à margem da reunião em Roma. Nascida dos escândalos de pedofilia no Chile e nos Estados Unidos, a cúpula desejada pelo papa sobre “a proteção de menores” exibe um título edulcorado, observa o especialista. “Uma maneira de manipular a gravidade do problema”, segundo ele, no contexto de uma assembleia de 5.000 bispos programados durante décadas para proteger a imagem da Igreja. “Mas para superar a crise, a única saída é contar toda a verdade”, ressalta.
Ciente das expectativas enormes despertadas pelo encontro, o papa alertou recentemente que “o problema dos abusos vai continuar”. “Resolvendo o problema na Igreja através da consciência, vamos ajudar a resolver na sociedade, nas famílias, onde a vergonha faz com que os crimes sejam acobertados”, acrescentou. A reunião elaborará “protocolos”, porque, “às vezes, os bispos não sabem o que fazer”, disse Francisco. Ainda assim, a Igreja católica, instituição mais apontada, é uma das poucas a se auto-flagelar, ordenando investigações para superar a crise. Provavelmente, os escândalos não vão tardar a explodir em outros setores da sociedade e outras religiões. Neste sentido, a principal igreja protestante americana, a Southern Baptist Convention, acaba de ser sacudida por um escândalo sexual envolvendo quase 400 pastores, voluntários e educadores em duas décadas.