Duas comunidades quilombolas de Cachoeira do Sul – Cambará e Rincão do Irapuazinho – tiveram seus dados incluídos no Mapa Rodoviário Interativo do Rio Grande do Sul. A iniciativa inédita foi apresentada no auditório do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), autarquia vinculada à Secretaria de Logística e Transportes (Selt). O projeto permite aos quilombolas contarem com um instrumento para superar uma das maiores barreiras que enfrentam para o acesso a políticas públicas: a falta de informações sobre suas comunidades.
A ação de inclusão integra o projeto “Melhorias nas estradas de acesso às Comunidades Quilombolas”, da superintendente de Programação Rodoviária (SPR) do Daer, engenheira Eliane dos Santos. Entre 1,4 mil candidatos de todo o país, Eliane foi uma das 100 para participar do programa Ubuntu 2023, de formação de lideranças negras. Durante a apresentação do projeto, ela destacou a importância de o Estado estar desenvolvendo iniciativas de inclusão que envolvam essas comunidades. “Tirar as comunidades quilombolas da invisibilidade é o maior ganho desse projeto e um primeiro passo. Os próximos serão desenvolver planejamento para colocar placas de sinalização nos territórios quilombolas e incluir as demais comunidades do Rio Grande do Sul no mapa”, observou.
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DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS
“Que esta ideia sirva não apenas para o Rio Grande do Sul, mas para transcender as barreiras que ainda temos, numa demonstração de respeito e de inclusão. O mapa é uma iniciativa importante do Daer para este momento que enfrentamos, mas é essencial não fazer isso apenas no 20 de novembro. Que esta luta não seja apenas de uma parte da sociedade, mas de todos nós”, afirmou o titular da Selt, Juvir Costella.
O secretário deu as boas-vindas aos participantes do lançamento, uma plateia de mais de 70 pessoas composta por representantes de comunidades quilombolas e de organizações do movimento social, servidores do Daer, representantes da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR) e da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS) – que ajudaram a montar o projeto e alimentarão o mapa com os dados das comunidades –, e da Secretaria da Educação, entre outros órgãos de governo.
Compondo a mesa, a titular da Secretaria de Inclusão Digital e Apoio às Políticas de Equidade, Lisiane Lemos, enalteceu a iniciativa. “Quando cheguei no governo, uma das minhas prioridades foi conversar com representantes das comunidades quilombolas e entender quais eram suas necessidades. Durante as visitas, nosso primeiro feedback foi a necessidade de estradas e o mapeamento”, disse Lisiane. “Esta é uma pauta transversal, e prioritária para o governo. Com essa iniciativa, trazemos dados para endossar as políticas públicas que precisamos desenvolver. Estou muito feliz por apoiar esse projeto”, destacou.
Representando o diretor-geral do Daer, Luciano Faustino, o diretor de Gestão e Projetos do Daer, Sívori Sarti da Silva, reafirmou a importância da ação. “Esse programa trouxe à luz a questão dos quilombolas, em um momento em que a sociedade precisa desse tipo de estudos e ações”. Durante o evento, uma placa simbólica identificando a Comunidade Quilombola Beco dos Colodianos, de Mostardas, foi entregue pelo secretário Juvir Costella, pela secretária Lisiane Lemos e pelo diretor de Infraestrutura Rodoviária do Daer, Richard Polo, para a professora Alexandra Chaves da Conceição, representante da comunidade quilombola. A comunidade será uma das primeiras a receber a sinalização rodoviária.
Na sequência, a professora Berenice Costa Fonseca Borges, assessora de Educação Quilombola e Indígena da Secretaria da Educação, proferiu a palestra “Dialogando com a educação quilombola”. “Uma coisa é saber que existe, outra coisa é ouvir as comunidades. A sociedade é estruturalmente e institucionalmente racista, mas nós somos resistentes em esperança”, disse a educadora.
Após, o processo de inclusão dos dados no mapa foi explicado pelos cartógrafos Aline Druzina e Bruno Araújo, responsáveis por esse trabalho. A partir dele, poderão ser determinadas as necessidades de melhorias na infraestrutura das comunidades, como a pavimentação dos acessos mais precários, entre outros serviços.
Ao final, várias manifestações elogiaram a iniciativa, principalmente das lideranças quilombolas presentes. A coordenadora estadual de Ações com Povos Tradicionais Quilombolas da Emater/RS, Regina da Silva Miranda, resumiu o sentimento dos presentes. “O Estado tem a obrigação de executar benfeitorias nas comunidades e não pode usar a falta de títulos de terra como desculpa. Quando o Estado toma essa iniciativa, é uma ação disruptiva, e foi isso que aconteceu”, observou.
Dados no mapa
No Mapa Rodoviário Interativo constarão os nomes das comunidades, o número de famílias, os processos de certificação na Fundação Cultural Palmares e de titulação no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o município de localização, a região do Corede, a região funcional, as coordenadas e a Superintendência Regional do Daer a que pertencem os municípios.
No futuro, mais informações, como fotos e página das comunidades na internet, também serão incluídas. Os dados de atualizações futuras serão fornecidos pela Emater/RS e pela SDR. O instrumento está disponível para o público em geral e para técnicos da área de transportes e pode ser acessado no link mapa.daer.rs.gov.br. Conforme o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Rio Grande do Sul tem 146 comunidades quilombolas. Dessas, 131 possuem certificação – são essas as primeiras a constar do mapa rodoviário.
Ubuntu 2023
O projeto de Eliane é um dos resultados da participação da engenheira no Programa Ubuntu 2023, iniciativa com duração de seis meses da organização não governamental Vetor Brasil. O objetivo é desenvolver lideranças negras na administração pública, a fim de promover a equidade racial. Eliane foi uma das selecionadas, junto a outras nove pessoas que integram o quadro de servidores públicos estaduais gaúchos.
As apresentações dos resultados dos projetos de intervenção nas comunidades aconteceram em 28 de outubro, em Recife (PE). Eliane contou com a parceria da engenheira Andrea Schopf, integrando o Programa Líder +D, que visa à formação antirracista e inclusiva dos gestores, e da engenheira Mara Bianchini, que a auxiliou na construção dos projetos para os acessos às comunidades quilombolas, além de fornecer literatura especializada sobre o assunto.
Piloto
O projeto piloto para o levantamento da situação dos acessos foi desenvolvido em Mostardas, no Litoral Sul, distante 200 quilômetros de Porto Alegre, em duas comunidades quilombolas com 115 moradores no total: Beco dos Colodianos e Quilombo dos Teixeiras. Os locais foram escolhidos a partir de uma lista de 20 comunidades pesquisadas pela Emater/RS e pela SDR, que demonstraram necessidade de melhorias em estradas. As 20 comunidades estão localizadas em 14 municípios no Estado – incluindo Cachoeira do Sul.
O trabalho teve apoio de uma equipe composta pelo biólogo Luiz Carlos Leite e pelo geólogo Vinicius Vasconcellos. Durante a visita às comunidades, a equipe verificou a situação das estradas e ouviu relatos de que em temporadas de chuva os trechos de areia ficavam intransitáveis.