Crédito: Celito Izolan Júnior
A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos promoveu na última semana, em Passo Fundo, audiência pública para debater violência doméstica e feminicídio. Com um caso de feminicídio em 2023 e 16 casos de estupro, 131 de lesão corporal e 254 ameaças, e 575 medidas protetivas ativas a cargo da Patrulha Maria da Penha, o município da região da Produção dispõe de rede de proteção à mulher e em 2021 passou a funcionar o Juizado da Violência Doméstica e Familiar, conforme determina tratado internacional assinado pelo país para a Erradicação de Toda a Forma de Violência Contra a Mulher.
O assunto foi colocado em pauta por iniciativa do deputado Airton Lima (PODE), que conduziu os trabalhos na Câmara de Vereadores de Passo Fundo. Retomando as 23 audiências públicas realizadas na legislatura passada para debater o tema no interior, o deputado observou que o avanço do feminicídio é alarmante no RS, que está em terceiro lugar no país com maior índice de violência contra a mulher. Até março deste ano, o estado registra 24 feminicídios consumados, 63 feminicídios tentados, 576 estupros, 5.493 casos de lesão corporal e 8.959 ameaças. Em 2022, foram 89 feminicídios, sete casos a mais do que em 2021. Em Passo Fundo, os dados apontam um caso de feminicídio em 2023, 16 estupros, 131 lesões corporais, 254 ameaças.
“Um caso de violência doméstica acontece a cada 10,5 minutos no RS”, destacou Lima, que pede o empenho da sociedade para tratar do assunto com a gravidade refletida no cotidiano de violência e morte das mulheres.
Denunciar ao 180
A responsável pela Delegada da Mulher de Passo Fundo, delegada Rafaela Bier, destacou que além da rede de proteção, é preciso investir em educação para mudar o padrão de desigualdade existente entre homens e mulheres no estado. “Temos direitos e deveres iguais”, afirmou. O preconceito com a presença feminina em ambientes tipicamente masculinos, como a própria Polícia Civil, sofreu alterações mas é preciso ampliar em toda a sociedade, comentou a policial, que vê com alarme o aumento dos índices de feminicídio na cidade, apesar do funcionamento da rede de proteção completa.
A Delegacia da Mulher de Passo Fundo dispõe de plantão 24 horas com Sala das Margaridas para acolhimento, Patrulha Maria da Penha para atender as vítimas, mas é preciso valorização desse trabalho pela sociedade e também pelo estado, através da valorização do trabalho dos órgãos de segurança pública, com aumento de salário e reforço de efetivo. “É difícil dar atenção a 15 mil ocorrências policiais em andamento, temos 8,45 ocorrências diárias de violência doméstica no município, e em Porto Alegre são cerca de 30 ocorrências diárias”, revelou, sendo que a maioria das mulheres vítimas não dispõem de medida protetiva ou registro de boletim de ocorrência. Por isso, entende que a sociedade deve intervir, denunciar os casos ao 180, para mudar a cultura machista e violenta que vem matando mulheres.
Pelo Juizado da Violência Doméstica e Familiar, o juiz Alan Peixoto de Oliveira relatou as atividades da Vara instalada em 22 de outubro de 2021, cumprindo tratados internacionais que o Brasil é signatário, a Convenção de Erradicação de Toda a Forma de Violência Contra a Mulher, firmada na Assembleia das Nações Unidas em 1979. E também pela vigência da Lei Maria da Penha, que determinou a instalação de juizados de violência doméstica no país.
Explicou que o juizado atua em conjunto com a rede de proteção, deferiu 374 medidas protetivas e tem 15 ações penais na Vara do Júri tramitando por feminicídio e cinco réus presos por feminicídio, “isso deu maior efetividade no tratamento da violência, na proteção da mulher, embora os números digam o contrário”, observou. Peixoto de Oliveira pediu atenção para o fato que os casos de violência doméstica têm sido potencializados também pela dependência química, de álcool ou drogas, “quase a totalidade dos casos decorre do abuso de substancias químicas”, e situações de violência de filhos dependentes químicos contra as mães.
Ele também partilha da ideia de que é preciso denunciar e disponibilizou o o site do Tribunal de Justiça pjrs.jus.br, onde é possível encontrar a aba da Coordenadoria de Violência Doméstica contra a Mulher e acessar manuais de atendimento e canais de denúncia.
Pelo Ministério Público, Cassiano Pereira Cardoso destacou a instalação da Promotoria Especializada de Combate à Violência Doméstica contra a Mulher em outubro de 2022, da qual é titular, com atuação articulada na rede de proteção, desde a Delegacia de Polícia, dos inquéritos produzidos e formulação de denúncia dos agressores (ou arquivamento em caso de falta de provas), as audiências de acolhimento, “o MP participa do processo de produção da prestação jurisdicional”, afirmou, assim como do acompanhamento do processo criminal, das medidas protetivas como forma de fiscalização jurídica, e também o diálogo extra-judicial com os demais órgãos da rede. Mas alertou que a violência de gênero é “fenômeno multifatorial, e um dos detonadores de violências mais agudas tem sido o consumo excessivo de álcool e drogas”, pedindo atenção para que a rede de proteção amplie a assistência psicossocial no município.
Patrulha Maria da Penha
Pela Brigada Militar, o Comandante Marco Antônio dos Santos Moraes apresentou o histórico de atuação a partir de 2013, quando foram instaladas as Patrulhas Maria da Penha em Passo Fundo e incluídas na rede de proteção às mulheres. Ele disse que num plantão noturno, das 19h a 1h, de 14 ocorrências, 4 era de violência doméstica no município. Em 2021, foram cadastradas na Patrulha Maria da Penha 790 vítimas em Passo Fundo, no ano seguinte foram 948 vítimas e neste ano, 505 vítimas nestes primeiros cinco meses. São 575 medidas protetivas ativas que a Patrulha acompanha com visitas regulares para apurar a situação das vítimas num período que não pode ser inferior a três meses. Essa aproximação policial, no entanto, sofre limitações diante de tamanha demanda, observou Santos, que relatou os investimentos da Brigada Militar em inovação tecnológica para melhorar a atendimento. Ele tem experiência de atuação em operações no Haiti e Sudão do Sul e ponderou que a presença de grupos migratórios no estado também contrapõe conceitos culturais, como a poligamia, situação que já gerou caso de violência doméstica e ação da Lei Maria da Penha.
A psicóloga Michele Minozzo encerrou o ciclo de debates alertando para a necessidade de avançar além das ações de segurança pública e do judiciário, porque a violência doméstica é um espelho familiar. Além de inverter a lógica do silêncio de que em briga de marido e mulher ninguém mete a colher, é preciso revelar os segredos familiares e entender que a violência doméstica existe em todos as classes sociais. “Têm muitas variáveis envolvidas na questão da violência doméstica, é processo cíclico” que somente será mudado através do autoconhecimento do padrão familiar. Ela entende que este processo de diálogo pessoal deve estar associado às ações de estado para enfrentar a violência doméstica.
Manifestaram-se também a Coordenadora da Mulher de Passo Fundo, Eni Hanauer, representando o município de Passo Fundo, que apresentou os espaços de atuação da rede Rede de Atendimento à Mulher; a advogada Maiaja de Freitas, da OAB, e a vereadora Ada Munaretto (PL), da Câmara de Passo Fundo.